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Lições de Cyro Martins* | Imprimir |  E-mail

Lina Aparecida Zardo **


Dr. Cyro partiu deixando vasta herança, enriquecedora e multiplicadora. Todos os que leram seus livros, ouviram suas palestras, foram seus pacientes, estudaram seus ensaios científicos, tiveram o privilégio de sua amizade, em suma, com ele conviveram, levaram pela vida afora porções variáveis desse patrimônio. Todos sentiam-se tocados. Havia nele um carisma, um “feeling”, um modo peculiar de relacionar-se. Seu modo de ser era sempre carregado de afetividade, com temperos de otimismo, interesse e zelo. Foi um humanista pleno. Entusiasmava-o o ser humano, com suas alegrias, dores e percalços.

Comprazia-se em enfatizar que era médico, acima de tudo. Sua doutrinação médica tecia-se com laços de respeito e amor. Em nosso meio destacou-se ao lutar em defesa da qualidade da relação médico-paciente, geradora de bons resultados terapêuticos. Também levantou-se precoce e veementemente contra a impessoalização da Medicina Previdenciária. Já na década de 60 previa o desastre que ora vivenciamos na Saúde Pública. Para ele o exercício da Medicina destinava-se ao ser humano, ao seu bem-estar. Nenhum outro interesse poderia sobrepor-se. O respeito profissional e a remuneração viriam por consequência. Não era preciso ter poder econômico, ou investir na fama. O reconhecimento viria por si mesmo, através do trabalho sério.

Vale recordar algumas afirmativas suas, fruto de estudos associados à sabedoria de viver. Era um curioso e obstinado observador da vida. Transpunha para prática o conhecimento científico, sem mistificações.

Viver, dizia, qualquer um vive, todos vivem. O segredo, a sabedoria, está em “viver bem”. Para ele, “viver bem” nunca poderia ser o conformismo, mas sim busca, conquista, uma tarefa do cotidiano. Seria preciso agarrar as rédeas da vida com ambas as mãos e mantê-las firmes e determinadas, vigiando os tropeços para não cair.

Duas áreas mereciam sua maior atenção: as relações afetivas e o trabalho. Este deveria ser prazeroso e profícuo, aquelas, gratificantes e abastecedoras. A busca dessas metas exigiria vigilância, reflexão e, quem sabe, terapia de saúde mental.

Na caminhada da vida, enfatizava, era preciso estar alerta e apto para usar alguns sensos, ou seja, critérios de discernimento pertinentes ao bem-viver.

Na caminhada da vida, enfatizava, era preciso estar alerta e apto para usar alguns sensos, ou seja, critérios e discernimento pertinentes ao bem-viver. Como lembra Moacyr Scliar, Dr. Cyro ensinava que o senso de humor deve estar por perto, sempre à mão, para gracejar. Rir do cômico ou do patético e, algumas vezes, também do trágico. O senso poético é necessário para dar leveza à vida; flutuar um pouco, quem sabe. Estar capacitado para emocionar-se com a arte ou criação, e também com estímulos sutis, corriqueiros para alguns. O senso de dignidade deve estar vestido em nós para suscitar respeito próprio ou alheio. Por último, devemos estar atentos ao senso de realidade. Enxergar o verdadeiro que nos cerca e distinguir chão firme de fantasias. Por vezes é muito penoso admitir o real. Escamoteá-lo nos pareceria mais fácil, mas seria uma solução parcial, de resultado duvidoso ou nocivo.

Constituíam sua preocupação as vicissitudes sociais. As do homem do campo, denunciou na literatura. Deu especial atenção, em estudos e publicações, à condição da mulher, nos diferentes momentos da vida, seus anseios e buscas, sua libertação de amarras milenares. Dizia existirem duas categorias de pessoas que poderiam melhorar a humanidade: as mães e os pediatras. O psicanalista argentino Rascowski, seu amigo, atribuía às mulheres a causa da belicosidade do povo norte-americano. As mães pouco amorosas propiciariam a formação de indivíduos adultos com tendências armamentistas. Pois justamente nesse país surgiram estudos e pesquisas sobre as relações mãe-bebê, confirmados por trabalhos europeus, que mostraram a importância do apego, essa troca mútua de afeto mãe-filho, geradora de saúde mental na infância, adolescência e vida adulta. Esse papel materno de prevenir desajustes, dizia Dr. Cyro, deveria ser priorizado e assumido pela sociedade.

Quanto aos pediatras, seriam os protagonistas da fase de apego e os profissionais que mais lidam com a evolução da criança junto à família, podendo, assim, exercer as ações profiláticas que ele tanto reiterava.

A maior lição de Dr. Cyro, porém, não foi proferida nem registrada. Foi bem vivida e constituiu-se em modelo impar, legado a todos nós, marcando nossas lembranças e nossos caminhos.


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* Publicado em Zero Hora, 12/01/1996.

**Pediatra e professora universitária