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Fortuna Crítica - Artigos

Dyonélio Machado **


Inicialmente: o aparecimento no nosso meio de mais um livro, aqui concebido, aqui editado, é sucesso que não pode passar sem registro. Quanto mais, quando o livro é de ficção, o que quer dizer uma obra de arte, nada visando para além da emoção estética.

 

Claro, não estamos atravessando uma crise de livros. Nem se compreenderia que agora, poucos dias a bem dizer da realização de sua feira, viéssemos clamar por eles, sugerindo (ou dissimulando) a idéia de que estão em falta.

 

O que não faltaria era quem nos levasse pela mão - mão amiga e orientadora - até as prateleiras que foram vastas quadras especializadas, onde eles se exibem para o tráfico, ou as que, para o mesmo fim, detêm nossos passos na pressa que enche ruas e calçadas; ou quem então nos advertisse que a publicidade está ali, em toda parte e na sua expressão mais multifária, lembrando a cada instante aos nossos olhos, ao nosso ouvido a existência de muitos, muitos livros.


Não, livros os há e na medida de fartar o apetite mais bulimíaco.


Mas então? É que eu me refiro a um livro que outro mérito não tem - nem deseja! - senão o de traduzir uma emoção de arte.


De arte! dessa coisa que já constituiu material dessa outra coisa - a Estética - ambas incompatíveis com o sentido que o mundo hoje assumiu.


Não estou botando um epigrama dentro das vestes envelhecidas da ironia, com o fim de alimentar uma saudade. Seria talvez legítimo e .. gostoso. Muito pelo contrário: estou reverenciando um Presente como nunca esteve presente, em nenhuma época e que obumbra os falsos Presentes, que, antes, se arvoraram como tais.


Já se vê que estou tratando a Atualidade de dentro do teor afetivo dos seus promotores, - daqueles que a estão produzindo como realidade que nem se supunha pudesse existir, sequer como idéia na imaginação mais descabelada.

 

É a Era da astronáutica, do computador, do transplante. E do transplante desse órgão - o coração - que se tinha como mágico e intocável, aninhado, e sangrando! - e foi um Poeta, não um fisiologista, que disse a palavra - sangrando dentro dum estojo - o tórax - de si também misterioso porque indevassável - jamais atingido em vida e em céu aberto pela mão humana!

 

Creio haver dessa maneira firmado um compromisso, compromisso de relacionamento: estou de bem - ora se não havia de estar! - estou de bem com o Presente.


Entretanto, sem que as forças vivas da época o pressintam (elas parecem ser, no fundo, um tanto ingênuas) sem que elas se dêem conta, os sonhadores existem. E eu saúdo aqui a volta dum deles que as imposições e atrações do mundo objetivo fizeram, por um certo lapso de tempo, olvidar as imposições, mais objetivas ainda e mais atraentes, do mundo da Fantasia: Cyro Martins.


Relendo algumas d' A entrevista (contos, edição Sulina) seu último livro, sente-se um arrepio, que é o medo diante dum risco a que por pouco não ficamos expostos: o de perder o ficcionista do gênero mais pessoal que ainda existiu no Rio Grande e que se licenciara da literatura propriamente dita.

 

Não pode ser mais próprio ao autor o que ele põe nos seus contos - desde a linguagem, até os caracteres, passando naturalmente pelos episódios, pela urdidura da "intriga". Não deve nada a não ser a si mesmo. Tolice procurar enquadrá-lo numa escola literária. Foge a qualquer classificação, porque foge a qualquer influência.

 

Escreve como uma chuva mansa chove, deixando cair a sua água e fazendo um murmúrio que encanta, tranqüiliza e embala. Tem cuidados de forma? Não creio: sua prosa sai exata, porque sai como é, como nasceu. Quem é que vem praticar uma cirurgia plástica num corpo recém-nascido, se ele surgiu com todas as suas partes em equilíbrio? Uma perfeição tal vai a ponto de nem ser notada, tamanha a sua naturalidade e a sua legitimidade. Não é outra a impressão que me deixa a releitura de "Romântico", por exemplo.

 

Uma cena de rapazes. Não é preciso dizer que são rapazes sujeitos a esse ritmo difásico, formado de contrastes: a obrigação (obrigação dos estudos) e a boêmia.


Com razão se explicou a criação artística como o trabalho de tornar mais saliente - e portanto, acrescento eu, mais real - a própria realidade. Esse flagrante que Cyro Martins intitula simplesmente "Romântico" ilustra à saciedade tão produtiva descoberta.

 

Pus em destaque essa página, de preferência a outras, porque estou lendo Cyro Martins com uma obrigação apenas, e altamente egoística: a de gozar um prazer. Estas linhas aparecem como uma decorrência disso. Não se me imponham deveres para com a Crítica. Muito menos para com o Método.


" Romântico" está na vida de quem quer que já foi jovem; logo, está na minha também. Mas fora necessário que estivesse na vida - e na pena - dum artista como Cyro Martins para ganhar realidade pra gente. Sim, aqueles diálogos, aqueles pequenos entusiasmos, potencializados por pequenas inquietações, aquelas andanças vadias - aquela noite! - foram próprias de todos nós. Mas só o sabemos de verdade depois de ler "Romântico".


Penso que esse tipo de "realismo" na Arte - único legítimo - tomando das coisas reais e tornando-as preponderantes, é a forma mais genuína da idealização. E a contraprova disso é a emoção, toda particular que nos proporciona. Com o seu pensamento afeito à contingência de explicar pela ciência, para lograr um equilíbrio, que grande revelação não há de ser para o próprio escritor o caráter integrador da Arte! Eu já disse: estou de bem com a minha época, - a do fastígio da ciência, sobretudo a ciência de aplicação. Nem seria possível outra atitude, a não ser que não almejasse o inestimável favor de sobreviver. Contudo, somente a arte tem o poder de operar a grande síntese, que, duma assentada, funde o homem com a natureza, com a vida, - e mesmo com a morte, que é apenas parte desta última.


Cyro Martins veio de longe, embora seja esta uma afirmação estranha, quando se sabe que com uma hora de vôo ou pouco mais se chega ao lugar donde ele saiu ...


Claro que isso é certo. Mas é certo hoje, não quando aquele seu recanto da campanha distava um século dos costumes, um século da linguagem, um século da mentalidade, um século dos sonhos. É preciso ser de lá e de lá haver saído também, como quem se exila, para medir distâncias como essas, tão abstratas.

Seu livro nos facilita a tarefa.


À s vezes são dois ou três vocábulos, apenas, que ele tirou da língua por todos falada e por todos escrita, mas que, animados das vivências dele - ou da sua afetividade, o que dá no mesmo - adquirem um sentido especial, - e que nada mais é do que o tom que a sensibilidade do escritor lhes dá.


Veja-se esta parelha de exclamativos, tão usados, tão conhecidos: "- Mas então, rapaziada, estudando, cavando ... Lindo, especial!"


Com relação ao primeiro do par, ele é hoje talvez um dos sinônimos mais em uso do adjetivo belo. E até usado numa repetição que tem algo de uma estereotipia brincalhona, marota, irônica, depreciativa: "Lindo, lindo!" Cyro Martins todavia emprega-o em função dum sabor que a palavra tem, mas que ele sabe que só o paladar dum gaúcho da campanha pode degustar. E o Especial se acha ali para avivar-lhe mais o gosto.


Sente-se uma força no seu estilo que só pode provir da mocidade em que o espírito dele se mantém.


Não valorizemos demasiado os moços, sobretudo quando isso assume um caráter polemístico e o que se quer, no fundo, é desfazer na maturidade e na velhice. Elogiemos sem atacar. Parece que não é fácil, diante do problema fundamental da vida, que se desenvolve em termos de conflito, sempre esbarrando com fatos em oposição. Mesmo assim, creditemos à mocidade pelo menos isto: o entusiasmo. Ia dizer: o entusiasmo e a candura. Mas quero fugir à redundância, desde que, segundo penso, onde não há candura não há igualmente lugar para os sonhos, as ambições, a aventura. Para o entusiasmo, em suma, embora com todos os erros que lhe dão vida.


" Romântico" foi estruturado a golpes de mocidade. Em que época? Não possuo a menor indicação. Mas não tem importância. Escrito hoje, mostra uma juventude que se diria já passada, pois se trata, sim, dum homem moço, mas no qual se vêem já sinais discretos duma indiscreta canície ... Se escrito na juventude, quanta maturidade então naquele escritor jovem!


Vejam este traço, que tão bem caracteriza a "idade" dum humor:

" Quanto à especialidade, o Oscar, com este jeitinho afagante, dará um bom corte de pediatra. E tu, Paiva, assim como és, vagabundo, superficialão ..."


Caracteriza uma idade, - a dum humor, disse mais acima. Mas não seria talvez mais simples, mais exato dizer, de todo esse poema em prosa realística, apenas isto: que ele caracteriza a idade romântica?


E essa verdade tardia, e tão comprometedora, quem primeiro a sentiu foi o escritor ...

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* Artigo Especial para o "Correio do Povo",  06 de dezembro de 1968.

** Dyonélio Machado - médico e escritor gaúcho proeminente.

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Leia o conto Romântico