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CONHECENDO O PAMPA GAÚCHO | Imprimir |  E-mail

Elize Huegel Pires *



           

No último feriado de Páscoa (04/04/2010), rumamos, meu esposo e eu, para a terra de Cyro Martins, Quaraí, com um objetivo em mente: conhecer a cultura local e descobrir se o gaúcho continua a pé. Com certeza, essa não será uma simples questão a ser respondida em minha dissertação de Mestrado, na qual analiso as obras que fazem parte da chamada “Trilogia do gaúcho a pé”, mas uma questão a ser problematizada no contexto atual. Dessa forma, quis ver de perto essa realidade e seguimos em uma longa estrada até a fronteira do Brasil com o Uruguai, no lado oeste do Rio Grande do Sul.

Chegando a Quarai, fomos recebidos por pessoas extremamente cordiais e disponíveis a nos ajudar. Professora Nadja Boelter1 e seu esposo, Assis Brasil, foram nossos cicerones pela cidade. Entrei em contato com uma realidade muito diferente dessa que estou acostumada na nossa região metropolitana de Porto Alegre. A cidade possui uma veia literária muito forte, as pessoas escrevem e declamam poesia como forma de lazer e fazem disso uma importante vertente cultural local. Participamos do ato de solenidade de fundação do “Memorial da Poesia de Quarai”, onde pudemos assistir a apresentações musicais e declamações. O memorial tem como patronos o poeta Luiz Menezes e a poetisa Lila Ripoll, filhos daquela terra tão agraciada que também nos prestigiou com Dyonélio Machado e o próprio Cyro Martins, além daqueles que fazem da poesia sua rotina diária.

Andando pela cidade, tive a impressão de estar num lugar em que o tempo passa mais lentamente. Observando as casas e construções, reavivei na lembrança fotos antigas de décadas passadas. Conversando com as pessoas, senti um tom nostálgico e demorado em suas falas. Posso afirmar que a vida em Quarai tem um modo peculiar de acontecer. Passado e presente se entrelaçam num caminhar lento e distante dessa correria frenética que nos engole diariamente. No entanto, minha visita tinha um objetivo além da mera apreciação. Sendo assim, nossos queridos cicerones nos apresentaram a pessoas que fizeram ou fazem parte do contexto social da cidade. Na primeira noite de visita, saboreando um delicioso “pancho” em Artigas, lado uruguaio, realizamos um agradável bate-papo com o jornalista quaraiense João Batista Marçal. Seu relato nos deu uma noção da história local, afirmando que até a década de 30 do século XX Quarai foi um pólo de grande importância econômica e cultural, atribuindo à indústria saladeiril o progresso da região. Entretanto, crises constantes nesse setor (lei da nacionalização do charque) e a chegada do trem fizeram com que a população abandonasse a localidade. Quem ficou sofreu com a pobreza e a falta de perspectiva, presenciando a decadência econômica e moral de um lugar que prometia ser próspero, mas que não conseguiu trilhar pelo caminho do desenvolvimento mundial. Cyro Martins vivenciou esse processo e idealizou seu gaúcho marginalizado a partir desse contexto histórico.


 

             

No dia seguinte, as prosas continuaram com o senhor Ricardo, um legítimo quaraiense que saiu do campo para trabalhar na cidade, em um órgão público, há quase cinquenta anos atrás. Foi uma conversa emocionada que trouxe à memória os relatos de quem sobreviveu a uma cidade decadente e empobrecida. Também entrei em contato com o senhor Cláudio que me relatou as dificuldades por que passam os proprietários rurais, colocando o seu ponto de vista a respeito da situação agrária regional. Além do proprietário, também conversei com um funcionário da Fazenda Santa Zeli que me deu um depoimento sobre a vida atual do trabalhador rural, revelando sua vontade de continuar seus estudos para

progredir no campo mesmo.


Como já mencionei, no entanto, o tempo parece correr de forma diferente em Quarai e chegou a hora de me despedir de um lugar que ficará guardado com muito carinho em minha memória. Trouxe na mala, além das boas recordações, obras de artistas locais que me fazem compreender melhor o universo da criação ficcional de Cyro Martins, visto que sua inspiração nos Pampas permanece viva em escritores contemporâneos que buscam nos seus antecessores o impulso necessário para manter pulsante essa veia literária. Além disso, posso afirmar que não descobri a resposta definitiva para a minha questão norteadora: o gaúcho continua a pé? Acho que aqui começa meu trabalho dissertativo maior. Cheia de idéias, lembranças e relatos rumo, agora, ao caminho solitário e desafiador de uma análise criteriosa da “Trilogia do gaúcho a pé”.


Elize Huegel Pires em Quaraí

  

* Elize Huegel Pires é mestranda em Letras, da PUCRS-PPGL, cuja orientadora é Profa. Dra. Maria Tereza Amodeo.
     

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1.A Profa. Nadja Boelter da Rosa é pesquisadora e orientadora de trabalhos sobre a obra de Cyro Martins, de quem foi amiga , tornando-se a maior incentivadora de sua memória na fronteira do Rio Grande do Sul.