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PAMPA E CULTURA: DE FIERRO A NETTO  E-mail
Fronteiras Culturais - Artigos

Um esforço em restaurar à fronteira seus direitos e sua erudição

                                                                                                  Marco Aurélio de Oliveira *

Entendo que uma das tarefas mais difíceis ao tentar interpretar as fronteiras seja a de delimitá-las, descobrir aonde ficam suas bordas. Falo das bordas literárias, das lingüísticas, das históricas, das antropológicas e das políticas. Até onde as interdições, que as legislações internacionais impõem, barram as miscigenações físicas e literais? Que trabalho hercúleo. Até onde tem-se pensado a fronteira como um lugar muito mais rico e agradável do que o ilícito noticiado diariamente nas televisões? Posso afirmar: existe uma boa nova neste campo, contra a aridez que a mídia, diariamente, nos impõe. Trato aqui da obra Pampa e Cultura - de Fierro a Netto, organizada por Lígia Chiappini, Maria Helena Martins e Sandra Pesavento. Um esforço em restaurar à fronteira seus direitos e sua erudição.

 

Por viver em Mato Grosso do Sul, na fronteira Brasil - Bolívia, sinto-me contagiado pela obra, uma vez que as comparações com as fronteiras gaúchas são inevitáveis. Por não conhecê-las, fico, por um lado, mais à vontade para saborear a leitura, e que, por outro lado, se dá de forma lateral - são os contornos que encontrei. Por falar em contornos, quero comentar a eroticidade desta obra. Quero falar sobre algo carnal contido nas suas páginas, algo contido, mas não retido, trans-bordante. Quando me senti atraído a lê-la foi, definitivamente, um processo de conquista, pois, ali há a erótica da palavra.

 

Sei, ao menos, que a boa leitura impõe um silêncio, reflexivo e impreciso, tomando impaciente e nervoso posse de nossas atenções. Neste silêncio, descobri que a tradução melhor dessa obra é ela mesma. Do início, com Donaldo Schüler, ao fim, com a apresentação sistemática de projetos de grupo, há vários algos que silenciaram este leitor, e me tiraram da leitura lateral impondo uma trans-versal, ou saindo do livro melhor em verso do que quando entrei. Nesse silêncio foi importante aprofundar, pois ele é o litoral e o literal da obra. É oportuno notar que as palavras constróem o lugar, mas como tudo que é humano, também possuem a ausência, e aí é que se nota o silêncio. Este é um livro que contém diversos silêncios.

 

A obra Pampa e Cultura é fruto de um audacioso projeto de fazer o saber. Bem articulado, pois envolve estudiosos de vários países, de várias línguas e de outros litorais, que se encantam por esses literais. Falam os autores sobre várias coisas das pessoas das fronteiras, como: literatura, América, Europa, iconografia, psicanálise, geografia, história e, maravilhosamente combinada, música. A música que não ouvi no recital - que fazia parte da programação do evento que originou o livro - porque não assisti ao evento. Essa mesma música que já não me importa tanto, pois também, não conheço a localidade. Importa o sabor da leitura que fiz, com imensa vontade de estabelecer um diálogo com cada autor de cada capítulo. Confesso que, silenciosamente, tentei ouvir cada resposta para as perguntas dissonantes que fiz para cada um deles. Cadê o diálogo? Esta obra me deu imensa curiosidade de conhecer cada autor, como o desejo de dizer particularmente a eles: 'muito prazer, sou aquele que fez aquela pergunta assim ou assado, naquelas noites e tardes em que li seu livro'.

 

Como costumo dialogar com meus alunos, uma obra fina, quanto mais se relê mais ela se refina. Isto porque as leituras subseqüentes não serão mais as mesmas da primeira, ainda rude. Assim, na segunda leitura que fiz, me remeti aos ensinamentos do professor e historiador Carlos Guilherme Mota, quando de seu seminário no Congresso Nacional em função das comemorações dos 500 anos de descobrimento do Brasil. Lá, ele mencionava que as descobertas do nosso país se deram em diversas etapas. O seu interior foi uma das últimas. E, digo que esse mesmo interior que, com seus litorais e literais, quando descoberto pelo Brasil, já havia se feito brasileiro havia muito tempo; isso Pampa e Cultura nos mostra do início ao fim.

 

A Guerra da Tríplice Aliança, ou a do Paraguai, que os atingiu, também nos dramatizou a construção de fronteira. O sangue e a lágrima deram o matiz ao épico. Pampa e Cultura nos ensina: a fronteira não pode ser uma superstição.

 

A ficção, em consonância com a fricção. É notável a existência de uma estratégia de construção dessas fronteiras. Sejam as guerras, sejam as obras literais, aqueles lugares - e prefiro no plural - estiveram a serviço de uma inteligência e de uma postura ou orgulho. E não falo da malícia de gabinete ou de planejador, mas a do improviso, a que designa. A astúcia dos homens e mulheres aflitos distantes dos centros de poder, ao mesmo tempo em que construíam seus centros e seus novos poderes. A idéia contida de família é um desses exemplos, pois o índio, bem como o gaucho e o gaúcho, não brigavam apenas por terra - isso seria miserável demais. Lutavam por aquilo que acreditavam e pelo que seus espectros os fizeram acreditar.

 

Decidi encerrar o comentário sobre a obra Pampa e Cultura com a melhor interpretação que conheço sobre o eterno dilema do que é o ser brasileiro. Da difícil jornada de encontrar os nossos novos litorais, de esclarecer nossos literais, de escutar nosso silêncios. Trata-se de uma profunda inquietação trazida por Gregório de Matos Guerra, que resume espetacularmente os sentimentos que a obra Pampa e cultura despertou em mim: "Que me quer o Brasil que me persegue?". Este livro me inspirou.

 

* Marco Aurélio Machado de Oliveira
é Historiador, Professor Adjunto na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
marcooliveira@nin.ufms.br