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O Humanismo Médico e as Porteiras Abertas | Imprimir |  E-mail

Betina Mariante Cardoso*


A Casa Editorial Luminara surge de um sonho de longa data, refletindo e multiplicando idéias, imagens, livros, conversas...Nosso propósito editorial é o de abrir a porteira entre a Medicina e seus confins com as Humanidades, explorando os potenciais da intersecção.

A Luminara é um evento festivo na cidade de Pisa, que ocorre todo 16 de junho, homenagem ao Patrono da cidade, San Ranieri. As margens do Arno "vestem-se" de um colorido especial, quando as luzes de muitas velas, em copinhos, se enfileiram nas armações de cada Palazzo, formando um efeito único. As luzes apagam-se, e só as pequenas chamas, os Lumini, iluminam as ruas, o rio, a anima dos cidadãos. Fogos estouram, gentes vibram e observam, em silêncio mágico, o resultado das luzinhas tremulantes, num complexo fenômeno de movimento, cores, brilho e vida. O mais interessante é saber que muitos dos que desfrutam da festa estiveram em sua montagem, dispondo os copinhos com velas nas armações dos prédios, casas, janelas, portas, torres, relógios. O efeito é, assim, resultado do trabalho de gente que constrói a fantasia e dela usufrui. A exemplo da festa, nossa Casa Editorial Luminara propõe-se a, como ponto de partida, focaro brilho de cada Lumini,trabalhandoparasomar seuefeitoao conjunto. E é neste alinhavo de luzes, uma chama ao lado da outra e da outra, que temos a honra de firmar parceria  com o CELPCYRO.

Nossa Luminara, claridade ainda pequenina, sente-se muito honrada em partilhar, com o Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins, esta "Porteira aberta" entre a Psiquiatria e as Humanidades Médicas, área ainda envolta em interrogações e conjeturas, mas de grande relevância em nossa contemporaneidade.

Além de Editora, somos também responsáveis pela produção cultural e científica de cursos de aperfeiçoamento em Humanidades Médicas - as assim chamadas, nas revistas científicas internacionais, medical humanities, já em destaque em importantes periódicos científicos.

Reluzente aproximação com o Humanismo Médico, tão abordado por Dr. Cyro Martins, o termo é hoje, neste Terceiro Milênio, condicionadoàs nossas rotinas médicas atribuladas e carentes de uma adequada comunicação médico-paciente. O que houve com essa comunicação? Como inserir, já na formação médica e na residência em Psiquiatria, especialidades "humanísticas"? Essas contribuiriam para uma comunicação com foco no paciente?

São algumas de minhas indagações, como psiquiatra e editora, sobre o futuro de nossa atividadeem relaçãoao seu objetivo maior: o bem-estar do doente que nos procura. Em busca de respostas, fui convidada a participar dos setores de Literatura e Psiquiatria e Psiquiatria Transcultural da Associação Psiquiátrica Mundial, com a "missão" de propagar questionamentos literários, culturais e, acima de tudo, humanos, sobre a atividade atual do Psiquiatra pelo mundo. Aliás, o Setor de Psiquiatria Transcultural, no Congresso Internacional de Psiquiatria, apresentou uma excelente aula sobre “Competências Culturais em Medicina”, interessante e necessária abordagem.

Se temos que perguntar, fazer um exame de fundo de olho nessas questões, multiplicar interrogações, temos também que buscar respostas e disseminá-las. Este é nosso maior propósito editorial, cumprir nossa "missão": a vinculação entre o humanismo médico do Dr. Cyro com as humanidades médicas, um caminho promissor...E estamos nos primeiros passos.

Andando mais adiante nessa estrada, é possível ver que o território das humanidades médicas é hoje amplo, estamos num percurso mais aberto e interdisciplinar que permite girar mundos humanísticos e médicos contemporaneamente, fazendo conexões interessantes. Uma dessas é a possibilidade de utilizarmo-nos da literatura, historia, cinema, para o olhar Médico, indo além dos personagens, atingindo a biografia dos autores, como é o caso de Ernest Hemingway, cuja vida é um compêndio de aprendizado psiquiátrico, em muitos âmbitos. Trata-se de um modo interessante de ensinar, aprender, e demonstrar aspectos da história dos indivíduos e de sua escrita, ricos em semiologia, plenos de componentes que nos permitem um olhar adiante. Foi o que aconteceu com minha dissertação de Mestrado: ao encontrar um texto de um psiquiatra norte-americano, Christopher Martin,  sobre a vida de Hemingway, deparei-me com um caso emblemático de meu estudo científico. Se nos aventurarmos pelas trilhas de suas biografias, livro de cartas e matérias de jornais da época, temos então uma aula interessantíssima de psiquiatria...

Num caminho paralelo, Emil Kraepelin, psiquiatra e exímio psicopatologista, com sua obra,, apresentou a semiologia de modo tão literário que, por vezes, me fazia ter a sensação de estar conhecendo personagens, ao invés de pacientes, e lê-lo foi essencial em minha formação. E assim  acontece com tantos outros autores que, através de sua literatura, mostram-nos pacientes de nosso dia-a-dia, como Hans Castorp, em  “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann ; outros, com seus pacientes, trazem-nos literatura, como no caso contemporâneo de Oliver Sacks, e dos psicopatologistas históricos. E por aí vai...

Essa conversa toda é porque tenho pensado um tanto sobre nossos aprendizados em humanidades médicas durante a formação acadêmica, período em que, geralmente, nos mantemos dirigidos a pontos objetivos do caminho e, muitas vezes, consideramos que esse tema é "desfoco", frente a tantas necessidades a cumprir. Pois não é. Em uma aula sobre Psiquiatria e Literatura do já mencionado Congresso, foi pra lá de discutida a questão da relevância do papel do aprendizado da literatura não só durante a Faculdade de Medicina, mas principalmente durante a residência em Psiquiatria. O escopo deste ensino seria, em linhas gerais, o de incrementar a semiologia, fazendo com que os alunos conheçam a depressão através da leitura de Virgínia Woolf, por exemplo, e a psicose através de Dostoievsky, entre outros, e o escopo de estimular, através das humanidades, uma melhor comunicação médico-paciente, ou, nesse caso, psiquiatra-paciente. Outra vantagem desta instersecção é a melhora das capacidades narrativas dos médicos, fundamental no exercício de registrar a anamnese.

Em prosa livre, ressalto que, cada vez mais, este é um assunto extremamente necessário em nossos dias corridos, tão corridos que muitas vezes, nas emergências médicas, não nos apresentamos ao paciente, perdendo a oportunidade de sermos um personagem de seu imaginário. Isso nos torna, com freqüência, um carimbo apagado em sua história pessoal. Estamos sempre correndo, em plantões e turnos de trabalho, com pouco espaço para a reflexão e a amplitude de nossos horizontes médicos. Ler os Clássicos é luxo, num espaço exíguo de tempo e estafa, e terminamos por deixar figuras de grande valia de nosso patrimônio literário para trás... Isso é um círculo vicioso que vai além: deixamo-nos para trás, muitas vezes, e, além de perdermos com isto, perdem também os pacientes.

A intersecção  entre ciência e humanismo médico é, acima de tudo, meu escopo de ensino e pesquisa. Conforme o contexto das idéias de Rita Charon, em seu trabalho desenvovido em NY em Medicina Narrativa (http://www.narrativemedicine.org/), o resultado da Medicina com as Humanidades, e sua repercussão na relação médico-paciente- então, o Humanismo Médico- faz de nós melhores profissionais médicos, mais capazes de imaginar, de ler e de escutar histórias de vida, mais dispostos para girar lentes de um caleidoscópio complexo, que é o paciente, e mais conscientes de nós mesmos, como indivíduos.

Dia desses eu procurava materiais  a respeito do tema em questão, e um dos mais interessantes se abriu à minha frente,  o site (http://mh.bmj.com/current.dtl) e o  blog do British Medical Journal (BMJ) (http://blogs.bmj.com/medical-humanities/). Assim, dirigindo nossa reflexão sobre as tais Medical Humanities, ou Humanidades Médicas, estou trabalhando atualmente na aplicação prática desta área, o que, como já explicitei, é um dos focos da Casa Editorial Luminara, que muito se enriquece com a parceria firmada com o CELPCYRO na pesquisa sobre o tema Humanismo Médico.

Em um primeiro momento, diria que as Humanidades Médicas são disciplinas humanísticas que  giram, vezes, ao redor, vezes em paralelo com o ciência e a prática médica, e servem de “ferramentas” para incrementar a compreensão, comunicação e o encontro entre médico e paciente. A Literatura, a Cultura e as Artes são algumas destas ferramentas, como  bisturis e gazes, de nossa participação na melhora da pessoa à nossa frente, que vem buscar, na consulta médica, a saúde e o acolhimento ao seu sofrer. Minha pergunta é sempre ...."Sim, é muito interessante, não há dúvidas, mas como tornar realidade a aplicação prática desta área, em nossa realidade brasileira?"

A boa notícia é que isso está mudando: acessando o Google, já são encontrados muitos artigos de boa qualidade escritos sobre o tema no Brasil. Motivos não faltam para aprofundar o estudo na área. Um dos aspectos que mais me vem à mente nos dias atuais, sobre a necessidade de melhorar-se a comunicação médico-paciente, é a defesa do erro médico (para compreender mais sobre este tema, sugiro o site http://www.apolinarioediegoadv.com.br/. O erro médico é algo que se pode prevenir, muitas vezes, com uma adequada comunicação médico-paciente, desde o início do encontro entre ambos, na primeira consulta e durante todo o tratamento.


Mas, afinal, o que é uma "adequada comunicação"...? Fica a pergunta, espaço para reflexão. Muitas das respostas encontro nos ensaios de Dr. Cyro Martins.

Uma coisa é certa: a comunicação  é um dos pontos fundamentais da boa relação médico-paciente, mas nossa maturidade pessoal e profissional, como seres humanos e como médicos, é essencial para atendê-lo, escutá-lo, acolher e tratar seu desconforto. Na medida de nossas possibilidades. Assim, na relação com o paciente são requeridas de nós não só habilidades técnicas, mas também capacidade crítica quanto as nossas próprias limitações e as do paciente, o que possibilita a identificação de obstáculos e o alcance do sucesso terapêutico. Também é relevante a ampliação de nossos horizontes para além de nossa especialização e, mais ainda, de nossa atividade médica; assim, também seremos capazes de perceber o paciente como um ser humano, inteiro: tem uma vida e  uma história, que ultrapassam a existência do sintoma que nos relata como “queixa principal”.

É, portanto, no reconhecimento de nossa humanidade mais profunda, que nos tornaremos melhores profissionais médicos, exercendo, mesmo sem perceber, o humanismo médico em nossa prática diária. Então não será mais necessário nos preocuparmos com pressas e relógios: ao aparelharmo-nos das humanidades médicas, além de nossas ferramentas técnicas e científicas, chamaremos o paciente à porta e abriremos a capa de sua história, folheando página por página.

Ao CELPCYRO,  grata pela parceria!

 

Porto Alegre, agosto de 2009

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*Betina Mariante Cardoso é Médica Psiquiatra, Mestre em Psiquiatria

Diretora da Casa Editorial Luminara

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