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LOS KAPITÃES DEL PORTUNHOL SALVAJE * | Imprimir |  E-mail

Um encontro literário com muito suco louco no Paraguai


A  platéia do Teatro Tom Jobim, em Assunção, esperava em silêncio a fala do poeta paraguaio Miguelángel Meza. E ele murmurou: “Deixem-me falar agora nesta língua inexistente para esta platéia que também não existe”.

De fato, o auditório estava praticamente vazio na abertura da primeira edição do evento Asunción, Kapital de la Ficción. O objetivo do colóquio, realizado em dezembro, era celebrar a ficção produzida em “portunhol selvagem”, que constitui uma espécie de dialeto transfronteiriço nascido por combustão espontânea em alguns países da América Latina. As 800 poltronas do auditório da embaixada brasileira na capital paraguaia sobravam.

Embalados pelo jugo loko, beberagem que mistura aguardente de cana, vodca e goiabinhas em conserva inventada por Jorge Kanese - patrono da literatura contemporânea paraguaia e aplicado professor universitário de bioquímica -, escritores brasileiros e paraguaios se alternaram no palco, lendo seus textos para deleite ou não de ambos os públicos, o visível e o invisível. Oriundos da parcela visível e mais falante de espectadores, os rumores de satisfação eram facilmente identificáveis. Alguns presentes chegavam mesmo a gargalhar. Já no plano da invisibilidade, pouco se pôde apreender.

Os índices da escala Richter beiravam os de um terremoto brando quando despontou no palco Douglas Diegues, organizador do evento e principal artífice del portuñol salvaje. Autor de Dá Gusto Andar Desnudo por Estas Selvas, reunião de sonetos selvagens, Diegues é um homem tomado pela palavra e pelo desejo de falar. É o que faz de maneira exemplar, na condição de animador de auditório semivazio. Antecipando cada nova participação no palco, ele tece loas a todos os presentes e a todos atribui papéis de relevância. Nesse particular, o império da selvageria lingüística pouco difere de coloniazinhas sul-americanas do século XIX. Todos são “kapitães” e há até um “embajador em Sampaulândia”. A capital do portunhol está aparentemente preparada para impasses diplomáticos e impedimentos militares de toda e qualquer espécie. Sobram oficiais, o que falta mesmo é povo.

Não havendo programação predefinida, os convidados sucedem Miguelángel Meza. Ele se senta e abre o enorme saco de balas que carrega consigo. A boca do poeta guarani ficaria ocupada em mascar pelo resto da noite, mesclando a goma com uma ou outra expressão portunholesca. Enquanto isso, Jorge Kanese é acompanhado por Cristino Bogado e Edgar Pou, escritores paraguaios da nova onda. Todos mixam o português ao castelhano como Juó Bananère (Alexandre Marcondes Machado, 1892-1933) imbrogliava o português e o italiano – com a ousadia experimental e a inventividade poética que o barbeiro, jornalista e poeta paulista aplicou no clássico La Divina Increnca, ensinou a professora da USP Aurora Fornoni Bernardini na palestra de abertura do encontro, “Che sbornia, che pagodêra!”

Surge Ademir Assunção, que preferiu ler poemas de sua autoria em tradução ortodoxa. Não por nada, soava algo deslocado em meio a tantos tresloucados, enquanto o jugo loko turbinava a pajelança. “Estou com dor de cabeça. Deve ser esse negócio aí”, dizia, apontando o garrafão de 6 litros quase vazio. E o inflamado Diegues, prestes a ver o caldo entornar de vez, encerra a noite chamando ao palco Antonio Pecci, biógrafo do escritor nativo Augusto Roa Bastos.

A noite acabou primeiro debaixo da lua e depois sob o sol que banharam o quintal da casa da Carla Fabbri, atriz e cronista da vida paraguaia contemporânea. Diegues regia o alvorecer com discurso e mímica incessantes, sendo nisso escudado pelo pintor El Domador de Yacarés, seu par numa dupla esdrúxula composta por um Quixote gordo e um Sancho magro, assim como um Laurel e um Hardy. Os dois vivem em permanente estranhamento desde os 5 anos de idade, quando se conheceram na escola pública de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. E foi ali, naquele quintal, quando os convidados sorrateiramente buscavam redes para estender suas carcaças maldormidas, que os dois poetas, num raro momento de concordância, conceberam o principal atrativo da próxima edição de Asunción, Kapital de la Ficción. “Vamos convencer a Associação Paraguaia de Escritores a abrir inscrições para autores estrangeiros. Assim qualquer um poderá se tornar um escritor paraguaio!”, vibraram em uníssono. Então, foram dormir e sonhar.

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                        Revista Piauí 16- São Paulo, janeiro 2008, pag. 12. – reprodução devidamente autorizada pela Direção da Revista.

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