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Para dizer quem somos: o conto crioulo desde Viana aos tempos de Rodríguez | Imprimir |  E-mail

Paula Chiappara Estévez - Mestranda em Teoria da LiIteratura - PUCRS


Pensar na literatura do sul me faz pensar no sul primeiro e lembra a frase que alguma vez ouvi dizer ou li - já não me lembro - que dizia “o sul também existe, o sul também insiste”.

Estando na primária, nos anos 80, a professora pediu de tema de casa uma “obra plástica” que tivesse na técnica a colagem e no assunto o gaúcho e o meio rural. Uma semana depois o resultado estava em exposição no painel da sala. Mais de vinte desenhos, o do Aníbal era o melhor da turma. Não faltaram vacas, ovelhas, muito verde, cachorros, cavalos, gaúchos com algum viés de cowboys, alguém até desenhou uma bandeira. Para nós, crianças da cidade, o campo era a somatória de tudo aquilo, uma verdade que mudaria muito, depois da nossa visita à exposição rural. Ali percebemos que campo era mais do que verde e animais em absoluta harmonia. Campo era também cheiro forte, que ninguém gostou. As vaquinhas do painel não eram tão “inhas” assim, aliás, elas nem sempre estavam de pé pastando, também dormiam deitadas. Ficamos surpresos, havia gaúchos sem barba nem bigode. Em fim, campo era tudo o que tínhamos imaginado sim, mas, além disso, campo era ação, vida, experiência, campo era também dor. Digamos que os nossos desenhos, cheios de símbolos indispensáveis à hora de representar o que era tão nacional, teriam deixado orgulhosos aos românticos do século XIX, que tentaram emancipar nossa vida independente da tradição colonial a partir de uma personalidade própria 1. Que trabalharam com fervor, valores caracterizados pela exaltação, mas que “solo lograron (...) vestir com las plumas del índio y el chiripá del gaucho a los héroes sentimentales de la novela o del poema românticos europeos”2. O modelo intelectual ou filosófico pretendia substituir a influencia espanhola a través das formas francesas. Faltava neles talento intuitivo, nos diz Zum Felde, consciência direta, sem óculos literários. Tal vez faltaram os olhos simples de criança dissemos nós, na frente do homem vestido com botas de potro. Em 1873 aparecia o Martín Fierro e

“(cobraba) ya forma el justificado rencor del gaucho contra la oligarquía extranjerizante de Buenos Aires, que con razón histórica o sin ella lo condena a la miseria, a la delincuencia y al exilio en su propia patria; corrido por el gringo agricultor, por el alambrado y por los ferrocarriles”3

Acontecia também no lado oriental do rio. A visão romântica não era compatível com o Uruguai da reorganização territorial. Os homens das letras optaram então pela observação meticulosa e “verdadeira”, pela sólida objetividade que permitisse a fiel representação da vida rural. O que importava era mostrar o que tínhamos de mais nacional sim, o que nos distinguia e independizava das formas impostas pela Europa, mesmo que a opção implicasse a lamentável crueza da época numa revelação dolorosa. A experiência de vinte crianças na Exposição Rural, transformadas em redações cheias de detalhes e observações quase documentais, teria deixado muito feliz a Javier de Viana, na virada do mesmo século XIX. Ao final das contas foi o seu primeiro livro Campos de 1896 que marcaria o começo da modalidade realista nas nossas letras4 e que faria com que o conto obtivesse seu status de gênero autônomo no Uruguai. Observar, documentar, testemunhar, foram propulsores da obra de Viana. Pela primeira vez os tipos e condições da nossa vida rural apareciam tal qual eram, quadros de miséria, doenças, ignorância, servilismo, delinqüência, degeneração5. Mas o seu discurso não conseguiu evitar a erudição, apelativa sempre às já consagradas técnicas de representação, como o mimetismo fonético e o regionalismo léxico e sintático6.

Se os românticos se basearam em valores que pretendiam como universais para as suas criações literárias e se os naturalistas ou realistas procuraram fazer de sua literatura o documento social veraz, a próxima geração de contistas crioulos uruguaios ­- que publicará a partir da década de 1920 - tentará um novo caminho, onde predomine a expressão própria “capaz de resgatar os valores universais que latem na peculiaridade regional”7. Sublinhamos a palavra peculiaridade, e a sumamos ao particular, preciso, quase íntimo de uma realidade que não necessita introduções, nem explicações, nem cumpridas descrições e detalhes e bandeiras. De uma realidade que é, e como tal pode ser ponto de partida (não mais de chegada) para a fábula. Quando Javier de Viana falecia em 1926 o escritor maragato Francisco “Paco” Espínola, nascido em San José Uruguai em 1901, publicava seu primeiro livro de contos, Raza Ciega. Seu último conto, Rodríguez, seria escrito na década de 1950.

“Como aquella luna había puesto todo igual, igual que de día, ya desde el medio del Paso, con el agua al estribo, lo vio Rodríguez hecho estatua entre los sauces de la barranca opuesta. Sin dejar de avanzar, bajo el poncho la mano en la pistola por cualquier evento, él le fue observando la negra cabalgadura, el respectivo poncho más que colorado”8.

Cenário, personagens, circunstancias e pistas do que virá a ser, todo alojado logo nas primeiras duas linhas do conto. É o conto breve, preciso, carente de qualquer elemento supérfluo. O narrador não perderá tempo e nos explicar o que faz de Rodríguez um gaúcho, porque esse não é o propósito do conto, porém a alma nobre que não se vende diante do diabo. Insistimos, comportamentos humanos em situações limites de validade universal. Rodríguez vai sendo desenhado a pinceladas - estribo, sauces, poncho, pistola -  “breves recortes da realidade, (...) concisão expressiva e a densidade da escritura, (...) virtudes que fazem que seja no conto onde se expressa de modo particularmente eficaz (a) sabedoria de narrador”9 de Espínola.

¿Te gusta la mujer? Decí Rodríguez, ¿te gusta? (...)Te puedo poner a tus pies a la mujer de tus deseos. ¿Te gusta el oro? Agenciate latas, Rodríguez, y botijos, y te los lleno toditos. ¿Te gusta el poder, que también es lindo? Al momento sin apearte del zaino, quedarás hecho comisario o jefe político o coronel. General, no, Rodríguez, porque esos puestos los tengo reservados. Pero de ahí para abajo...no tenés más que elegir”10.

Mas Rodríguez não acredita, um pouco pela sua firmeza, pelo resoluto de gaúcho ou simplesmente pela alma de homem de metade de século, de pós-guerra, descrente diante do mundo que se lhe apresenta. O outro, o diabo, furioso, insiste. “Ya no era toro lo que montaba el seductor, era bagre”11. E Rodríguez mais uma vez passa incólume perante isso que ele mesmo chama de “mágica”. O extraordinário é rasgo que caracteriza a obra toda do maragato Espínola. Ele aposta ao excepcional, situações limites, mortes violentas, nascimentos esquisitos, ou o fantástico como em Rodríguez12. Afastado dos seus objetivos está o viés didático na suas narrativas, antes uma preocupação pelo ético, uma inquietude moral pelas almas de suas personagens. Preocupado sim “por reivindicar uma identidade e uns valores que muito além de todo folclore encontrou na tradição crioula”13.

Os textos de Espínola têm essa particularidade de transcender o rural, de fazer dele atmosfera verossímil, mas sempre cenário, para coisas mais humanas, mais da alma, mais universais. O que acontece nos seus relatos, pode acontecer em qualquer ambiente. Porque gaúcho ao final das contas é homem, porque vaca dá leite, porque planície é paisagem a través de uma janela, porque com o cheiro aquele, é questão de se acostumar. O sul também existe e é por isso que não precisa ser explicado. O sul também insiste, porque mesmo no plano de uma cidade como Montevidéu do século XX, quando Benedetti escrevia seus Montevideanos tão urbanos, Espínola não precisava utilizar a serra e cavalo para oferecer resistência ao cinza do concreto, ao cheiro de cidade. Muito pelo contrário o crioulo fazia parte dele estivesse onde estivesse. Gaúcho não é no papel, não é uma imagem incorruptível, porém alma, mutante, é homem, é princípio, é ação. Para dizer quem somos, de que estamos feitos, de onde viemos, cultura, costumes, tradição, muito se tem feito desde os românticos até o caminho escolhido por este autor. Para ele, o campo é verdade, é cenário, é espaço para transcender. E transcender não é uma forma de insistir?



Notas

1 ZUM FELDE, Alberto. La literatura del Uruguay: 1939, p.19

2. Idem. p.20

3. SABATO, Ernesto. El escritor y sus fantasmas. p. 136

BORGES, Ana Inés Larre www.letras-uruguay.espaciolatino.com/espinola/prologo.htm

Idem.

ESPÍNOLA, Francsico. Rodríguez. Montevidéu: El País, 2000. p.4

BORGES, Ana Inés Larre www.letras-uruguay.espaciolatino.com/espinola/prologo.htm Também em Los mejores cuentos de Paco Espínola. Colección Brazo Corto. Instituto Nacional del Libro. Ministerio de Educación y Cultura. Junio de 1993.

ESPÍNOLA, Francsico. Rodríguez. Montevidéu: El País, 2000. p.3

ZUM FELDE, Alberto. La literatura del Uruguay, 1939: p. 53.

Idem. p. 54

TOMASSINI, Graciela. Poética del cuento hispanoamericano, 2002:  p. 43

TOMASSINI, Graciela. Poética del cuento hispanoamericano, 2002:  p. 49

SABATO, Ernesto. El escritor y sus fantasmas. p. 136

ZUM FELDE, Alberto. La literatura del Uruguay: 1939, p.19

Idem. p. 20



Referências

BORGES, Ana Inés Larre. Los mejores cuentos de Paco Espínola. Colección Brazo Corto. Instituto Nacional del Libro. Ministerio de Educación y Cultura. Junio de 1993Disponível em www.letras-uruguay.espaciolatino.com/espinola/prologo.htm.

ESPÍNOLA, Francsico. Rodríguez. Montevidéu: El País, 2000.

SABATO, Ernesto. El escritor y sus fantasmas. Barcelona: Seix Barral, 1979.

TOMASSINI, Graciela. Poética del cuento hispanoamericano, 2002.

ZUM FELDE, Alberto. La literatura del Uruguay: Buenos Aires: Imprenta de la Universidad, 1939.