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Fronteira - Flávio Aguiar | Imprimir |  E-mail

Capa Fronteiras da Integração   Fronteira - Sobre o risco das fronteiras *

 

                                 Flávio Aguia r**

 

 

                     Uma fronteira tanto separa quanto une. Em se tratando de dois países, essa frase é uma tautologia. Mas ao se tratar de vários, nem tanto. Explicações se impõem. Essas explicações – às vezes com mais perguntas do que respostas – são o tema central deste livro, que relata uma viagem sobre o risco das fronteiras.

 

                     A apresentação, “Crônica de uma experiência”, assinada por Lígia Chiappini e Jan David Hauck, começa com uma tonalidade épica:

Em outubro de 2005, um ônibus saiu de Santa Cruz do Sul e percorreu cerca de 5.000 quilômetros das fronteiras entre Brasil, Uruguai,    Argentina e Paraguai, entrando até Asunción e, dali, voltando ao Brasil, mais precisamente, à Foz do Iguaçu. Dentro do ônibus se encontrava um grupo de pesquisadores do Instituto Latino-americano da Freie Universität-Berlin (Universidade Livre de Berlim), constituído de três docentes, onze estudantes de mestrado e uma doutoranda, de diferentes disciplinas: Literatura e Cultura Brasileiras e Hispano-Americanas, Antropologia Cultural, Ciências Políticas, Sociologia e História.


 

                      Já por esse parágrafo de abertura se vê que o alcance do livro vai muito além dos 5 mil quilômetros inicialmente referidos e das fronteiras entre os quatro países (núcleo original do Mercosul) mencionados. As fronteiras também se distribuem entre: Europa e América Latina, América Hispânica e Brasil, diferentes disciplinas (e, obviamente, instituições) universitárias. Além disso, a menção à Universidade Livre de Berlim não deixa de trazer à tona o espectro da Guerra Fria, uma vez que ela foi criada com apoio norte-americano em 1948, em resposta ao fato de que a tradicional Universidade Humboldt ficara no setor soviético da cidade dividida. Curiosamente, a linha demarcatória da cidade, que a dividia entre leste e oeste geopolíticos, foi evocada numa das discussões posteriores do grupo de estudantes, já em S. Paulo: para muitos, essa foi a primeira vez em que esse tema foi abordado abertamente.

 

                     Não dá para resenhar todo o conjunto de temas abordados nos 23 textos/ensaios/narrativas/poemas que compõem o livro. Além da Apresentação e Introdução, eles se organizam em três grandes blocos. São: Políticas culturais, Entremeio fronteiriço, e Produções culturais.

 

                    No primeiro, predomina a abordagem espacial, ainda que recheada de viagens no tempo, do Mercosul, com temas como educação e comunicação, língua e teatro, espaço urbano e desportivo, circulação e limites, além dos conexos. Os textos sempre viajam entre os diferentes espaços nacionais e regionais do Mercosul, traçando continuidades e diferenças, aportes legais e contrabandos.

 

                    No segundo entram em cena as fronteiras textuais, pois o conjunto navega entre poemas, narrativas, evocações ou citações as mais variadas, sempre contrabandeando culturas e olhares por debaixo ou por cima das demarcações, às vezes arbitrárias, das fronteiras nacionais. Por fim, no terceiro concorrem análises mais diretamente focadas em obras ou conjuntos de obras precisos e delimitados, além dele levar a consideração para o confronto entre dois espaços tão míticos e legendários quanto geográficos: o Pampa e a Amazônia.

 

                    O resultado desse conjunto multifacetado é muito mais uma obra aberta do que um discurso fechado: por vezes tem-se a impressão de estar lendo o fragmento de um work in progress que convida o leitor tanto a embrenhar-se de novo por aqueles roteiros quanto a descortinar conseqüências e inferências – pampas e veredas que se abrem a partir do livro.

 

                  Não se pode fugir também ao aspecto identitário que o livro evoca. É claro que nas suas páginas ressoam ainda fumegantes as guerras e os encontros/desencontros afetivos que compõem a história da demarcação às vezes sangrenta, às vezes imprecisa, das identidades culturais, nacionais, regionais da área percorrida. Tão importante quanto isso é observar, no conjunto e em cada um dos textos que se desvelam, a busca da própria identidade, do grupo que viaja (nas palavras e para além ou aquém delas) em busca das próprias identidades, de indivíduos, pesquisadores e partícipes de uma aventura acadêmica. Esse ângulo de visão é dos mais interessantes, pois é nele que a Academia (no sentido brasileiro de “pesquisa acadêmica”, universitária, wissenschaftliche Forschung, em alemão) revela seu potencial criativo de ir além-fronteiras, sejam elas as do conhecimento ou da visão burocratizada e inócua, ou ainda de buscar o mundo além-universitário, como os novos desbravadores de uma criação potencialmente coletiva. Como diz a introdução, também assinada por Lígia e Jan:

 

                  Um dos objetivos do presente livro é estudar, sistematizar, divulgar e repor uma integração cultural que tradicionalmente existe na região, bem como sondar e talvez suscitar novas iniciativas de diálogo e de troca no presente e no futuro da América do Sul mais aberta à circulação não apenas de mercadorias, mas principalmente de pessoas que carregam consigo a riqueza cultural desse subcontinente.

 

               Só cabe acrescentar que o livro termina tendo também uma função reflexa, no sentido do modo verbal. O sujeito que pensa sobre o outro termina pensando sob ele, isto é, sob o seu signo, e assim também se transforma. O esforço de pensar a América do Sul, feito (com contribuições de outras pessoas) principalmente por um grupo de pesquisadores europeus termina iluminando a visão tão esclarecedora quanto mais esclarecida sobre as vicissitudes do momento histórico conjunto de um lado e do outro do Atlântico e do Equador, para além  das fronteiras dos clichês e estereótipos.

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  * Resenha de Fronteiras da integração/Fronteras de la integración: dimensões culturais do Mercosul/lãs dimensiones culturales Del Mercosur. Lígia Chiappini, Liana Timm e Jan David Hauck (orgs.). Porto Alegre: Território das Artes, 2011.

** Flávio Aguiar Prof. Dr. da USP, jornalista, crítico literário e escritor