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A história dessas histórias | Imprimir |  E-mail

Este texto foi escrito para apresentar um livro que não saiu. Em 1995, Luiz Antônio de Assis Brasil e eu fizemos uma visita a Cyro Martins, que já se encontrava enfermo, mas com excelente humor e admirável disposição. Era para ser uma visita meteórica, para não cansá-lo, e não o foi, encompridada por uma divertida conversa: lembrávamos nossas pitorescas viagens ao interior do estado, no marco do programa "O autor na escola" do Instituto Estadual do Livro. Na despedida, Cyro sugeriu que juntássemos aquelas histórias em livro.



Em homenagem ao grande escritor que ele foi e à sua encantadora figura humana, tratei de organizar aquela coletânea de depoimentos. O resultado não correspondeu à minha expectativa, isto é, um volume que distraísse o leitor com nossas extravagantes aventuras. Muitos escritores, por não compreender ou não aceitar o substrato do empreendimento, aproveitaram a ocasião para espinafrar as adoráveis professorinhas do interior, que não teriam preparado adequadamente o alunado para o encontro com suas ínclitas sumidades. Ao invés de reconhecer o esforço daquelas moças, e de entender que a presença do escritor era um estímulo para que, no futuro, tal preparação se acrisolasse, enveredaram pela crítica graciosa e destrutiva, pelo deboche, que em outra instância apenas refletia o ressentimento de suas vaidades não turibuladas.


O resultado não me pareceu digno da sugestão de Cyro Martins e suspendi a publicação. Quanto aos originais, não me recordo o que fiz com eles. Sumiram. Bem-feito. Entre vinte e tantos textos, salvava-se, quando muito, uma meia dúzia.


Sergio Faraco* Porto Alegre, abril de 2008



Numa tarde de domingo, no ano que passou, atravessei a Praça Júlio de Castilhos para me encontrar com meu confrade e amigo Luiz Antonio de Assis Brasil. Pretendíamos cumprir, na tarde calorosa, um dever tristonho: visitar um homem que ia morrer. Seria uma visita breve, claro, para não exaurir ainda mais o debilitado enfermo.

Cyro Martins, com efeito, morreria logo depois, abrindo uma lacuna insanável na literatura e na história médica do Rio Grande, mas, naquele dia, não parecia estar tão doente. Se falando denotava algum esforço, essa fraqueza, para quem o conhecia, podia ser confundida com sua peculiar suavidade vocal. A enfermidade lhe roubara certo grau de cor, mas, pertencendo-lhe à natureza a face pletórica, seu aspecto era o de um homem normal, saudável e, sobretudo, tranqüilo. Nós o olhávamos e nos perguntávamos como era possível aquela augusta serenidade no rosto (e na alma) de um homem que sabia que estava com os dias contados. Só ele, só o velho Cyro, aquele pachorrento guasca da fronteira, que deixou Quaraí para se tornar um Champollion dos hieróglifos da mente...

Se o dever era tristonho, logo deixou de ser, e a visita, que tinha prazo de relógio, foi-se encompridando como se encompridam as charlas de galpão, num tempo sem medida e sem consciência, como o tempo animal. Falávamos de nossas viagens ao interior do estado e cada qual contava seu "causo", inclusive ele, lembrando certa noite, num povo distante, em que a velha cama se partira e ele despertara no chão, no escuro, assombrado com a súbita mudança de andar...

Foi uma tarde alegre, diria até feliz, testemunhada por sua esposa e sua filha, uma tarde em que três homens e duas mulheres se divertiram, como se a morte não existisse, ou como se, existindo, fosse um capítulo aceitável e até meio engraçado dessa intrincada novela que chamamos Vida.

Na despedida, Cyro nos levou até a porta, e alguém - não sei se ele, ou a esposa, ou a filha - alguém disse que deveríamos reunir aquelas histórias em livro. No elevador, perguntei a Assis Brasil:

- E esse livro?

- Por que não? - disse ele.

E havia até outra razão para fazê-lo. É notório que, em matéria de leitura, o Rio Grande é um país que se releva, e tal condição deve ser atribuída, decerto, ao nosso passado, mas igualmente a fatores contemporâneos, como a Feira do Livro de Porto Alegre, as feiras municipais que dela derivam, a Jornada de Literatura de Passo Fundo, os programas do Instituto Estadual do Livro e da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre e, last but not least, as atividades de nossos estabelecimentos de ensino, através de seus dedicados mestres. Os escritores, no entanto, também têm atuado na difusão desse civilizado hábito de comprar livros e de ler - uma contribuição marcadamente pessoal: o contato direto com estudantes, em Porto Alegre ou nos confins do Rio Grande.

Os textos coletâneos - realçados seus autores pelo dulcífico olhar de nossa bela fotógrafa - são uma amostra desse esforço peregrino, e o tom geralmente divertido não surpreende: é assim, com humor, que temos superado as previsíveis dificuldades, conscientes de que são minúsculas, mesquinhas até, comparadas àquelas que enfrentam escolas e professores para organizar e custear nossas viagens e palestras.

Essa postônica razão confunde-se com a tônica: Cyro Martins foi um dos mais assíduos viajantes e não deixou de sê-lo nem quando ultrapassou a casa dos oitenta. Contam-me que, numa cidade do Norte, depois de muitas horas de viagem e alguns percalços no caminho, depois de uma conferência e de uma janta interminável, ainda compareceu a um baile e dançou. Que maravilha!

Este livro, portanto, é dedicado aos professores das cidades que temos visitado, aos nossos escritores e, sobretudo, a Cyro Martins. Foi pensando neles que reuni autores de todas as idades e de vária experiência, representando mais de uma geração literária. Se a homenagem é pequena - meu trabalho foi meramente burocrático -, quem participa com texto e imagem completa o que a mim me falta.

Sergio Faraco - março de 1996

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* Sergio Faraco é escritor e tradutor