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Coluna CELPCYRO - Colunistas |
Marcello Blaya
Quaraí é uma pequena cidade que fica entre Santana do Livramento, Uruguaiana e Alegrete, da qual era parte. 24.000 habitantes de frente para a Republica Oriental do Uruguay, separados pelo rio Quaraí. Pois nessa Quaraí nasceram três pessoas cujas vidas ajudaram a fazer da medicina (psiquiatria e psicanálise), da política (Partido Comunista Brasileiro) e da literatura (contos, romances, poesia) gaúchas o que são hoje. Dyonélio Machado nasceu em 1895 e morreu em 1985. Lila Ripoll nasceu em 1905 e morreu em 1967. Cyro Martins nasceu em 1908 e morreu em 1995. Os três nasceram em Quaraí e morreram em Porto Alegre. Quando Lila nasceu, o menino Dyonélio já havia vendido bilhetes de loteria e “trabalhava” como monitor na escola para poderem estudar, ele e o irmão. Quando Lila tinha dois anos Dyonélio era servente no jornal O Quaraí, começo de sua carreira de jornalista. E Lila tinha 37 anos quando Dyonélio lançou O Louco do Cati, onde se lê na primeira página: “Muita coisa eu tenho que agradecer – e a muita gente: à Adalgiza e Cecília; à Lila; ao Panichi, Mário e Cyro; ao próprio Paulo – com o seu informe oportuno. É o que eu desejo manifestar aqui. D.M.” A esposa era Adalgiza, Cecília primogênita e Paulo o filho, médico e psicanalista, morreu quase junto com o pai. É claro que a vida e a obra de Lila Ripoll deve ter sido influenciada por essa amizade. E a segunda filha de Cyro chama-se Cecília. Cyro era 13 anos mais jovem que Dyonélio e como vemos na dedicatória acima eram também muito amigos e certamente haveria influências recíprocas. Da trindade de Dyonélio – Medicina, Política e Literatura - a amiga compartilhou duas: Lila ficou com a Política, era uma lutadora comunista, e com a Literatura, poeta respeitada e premiada. Cyro não era comunista mas ficou com a Medicina e a Literatura. Resumo da biografia de Dyonélio Machado: “foi na Medicina que teve seu sustento, na Política seu tormento e na Literatura seu alimento”. Menino de família pobre, perdeu o pai, que trabalhava num “saladeiro”. Começa a auxiliar a mãe vendendo bilhetes de loteria e para poderem estudar, ele e o irmão, era “monitor” das crianças mais atrasadas da escola. Aos doze torna-se servente do semanário O Quarai, onde começa seu amor e dedicação ao jornalismo. Foi um dos fundadores da A.R.I., Associação Riograndense de Imprensa e em 1946 fundou e dirigiu a Tribuna Gaúcha, o jornal do Partido Comunista Brasileiro. Em 1912 vai para Porto Alegre e funda A Informação, jornal do Partido Republicano, fechado em 1913 por seus ataques ao governo federal. Fatos como este explicam a sua frase: “Sou um rebelde”. Volta para Quaraí em 1914, por incapacidade financeira. Nos anos que fica em Quaraí funda e dirige um jornal. Volta para Porto Alegre em 1923 e no ano seguinte ingressa na Faculdade de Medicina. Ainda estudante de Medicina publica, em 1927, seu primeiro livro: “Um pobre homem”, assunto que acompanhará toda a sua vida médica, literária e política. Formado, vai em 1930 para o Rio de Janeiro para estudar Neurologia e Psiquiatria, juntos como era o costume então, com o Professor Antonio Austregésilo. Seu interesse principal era a Psicanálise o que explica ter traduzido e publicado o primeiro livro sobre o assunto no Rio Grande do Sul, Elementos de Psicanálise, de Edoado Weiss. Weiss (1889-1970), italiano de Trieste, fez a sua formação em Viena e de volta à Itália fundou em 1932 a Sociedade Psicanalítica Italiana, reconhecida pela I.P.A. em 1936. Foi para os Estados Unidos em 1939, primeiro para a Menninger Clinic, em Topeka-Kansas e depois, como didata do Chicago Institute of Psychoanalysis dirigido por Franz Alexander, o grande incentivador da psicossomática. “Elements of Psychoanalysis”, com o prólogo de Sigmund Freud, era o texto do Instituto. Também nesse ano, incentivado por Erico Verissimo, publicou o que se considera a sua obra prima: Os Ratos. Nesta obra Naziazeno, um pobre homem, é o personagem central. É casado e tem um filho que ainda é alimentado na mamadeira. O drama começa quando o leiteiro dá um ultimato: ou recebo amanhã os 53 mil reis que me deves ou não te trago mais leite. A busca Em 1935 é preso quando ocorre a Intentona Comunista no Rio de Janeiro. E é na prisão que se filia ao Partido Comunista Brasileiro. Em novembro de 1937 Getulio dá o golpe do Estado Novo e Dyonélio, para escapar de uma nova prisão, foge incógnito pelo litoral para Santa Catarina. Essa experiência ele vai utilizá-la para o enredo do O Louco do Cati, publicado em 1942. O louco do Cati é incógnito mas anda sempre acompanhado de pessoa identificada. Incógnito é oculto como é o Mr Hyde, de Robert Louis Stevenson, no Strange Case of Dr, Jekyll and Mr. Hyde, erroneamente traduzido como O Médico e o Monstro. Digo errado pois todos temos uma parte escondida da personalidade e quando a equilibramos com o Dr. Jekyll estamos no melhor que se pode alcançar. Dyonélio usa o louco do Cati sempre acompanhado, e os Dr. Jekyll do louco se chamam Nestor, Capitalista, Dr. Valério, motorista do caminhão, coronel e comandante Amilívio. Nestor sai de Porto Alegre e perto de Araranguá é preso, acusado de terrorismo e enviado ao Rio de Janeiro, sempre levando o louco junto. Quando Dyonélio esteve preso no Rio de Janeiro conheceu Graciliano Ramos, também preso como terrorista pelos policiais de Getulio e que resultou no seu livro Memórias do Cárcere. Sem qualquer razão ou explicação Nestor e o louco são libertados no Rio de Janeiro e ficam numa pensão. Nestor se cansa do companheiro e decide mandá-lo de volta para o Sul. O capitalista e sua esposa se encarregam de levá-lo para São Paulo e de lá até Florianópolis o Dr. Jekyll é o Dr. Valério. O passo seguinte é ser levado pela Br 116 para Lages, Santa Catarina, pelo chofer do caminhão. De Lages até Santana do Livramento o acompanhante é o coronel. Mas a chuva impede irem até Quaraí por terra e o comandante Amilivio se oferece para levá-los de avião. Mas o temporal obriga a descerem antes, na fazenda Santa Cecília, este o nome da primogênita de Dyonélio.
Nesse percurso o louco fica repetindo “É o Cati !”. Depois de pousar o avião o louco escapa e se descobre que foi a pé até o arroio Cati, ao lado de Quaraí, onde o louco, quando menino, aprendera a sentir o terror, pois era o lugar em que a policia levava os presos para torturas e morte.
A dupla Jekyll + Hyde é então identificada como homem + cachorro ou lobis + homem. A imagem na capa e em algumas folhas no interior do livro mostra uma cabeça de cão ou lobo e de dentro saindo a face de um homem com a língua de fora. Conhecimento psicanalítico que traduziu no desenho e no romance a relação do eu consciente com o id inconsciente. Espero poder continuar este texto falando das coincidências de Dyonélio e Lila, na Política e na Literatura e as de Dyonélio e Cyro, na Medicina e na Literatura.
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