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Qorpo-Santo / “Um autor ainda fora do lugar”  E-mail
Outras Fronteiras

                          

                                         Entrevista de Flávio Aguiar

 


Acabo de receber a matéria que segue e quero registrar algo a respeito de seu assunto: a Dissertação de Mestrado de Flávio Aguiar - Os Homens Precários - inovação e convenção na dramaturgia de Qorpo-Santo. Ela foi realizada e publicada em meados da década de 70 e tive a satisfação de ter sido convidada por ele a escrever a orelha do livro. Na época, vicejava em nossas universidades o estruturalismo de origem francesa, do linguista Ferdinand Saussure, depois, do antropólogo Claude Lévi-Strauss e deles se expandindo para influenciar crítica literária, cinema, estudos culturais, publicidade, entre outros. Fato é que modelos estruturalistas passaram a ser aplicados indiscriminadamente, parecendo conferir a qualquer abordagem uma aura de objetividade e cientificidade, provocando abusos e muitos equívocos. Então,

" num momento em que os ensaios críticos transformam-se, com frequência, em  exercícios teóricos, despersonalizantes e despersonalizados, Flávio Aguiar não mascara  seu trabalho com pseudocientificismos. Encontra na simplicidade, na clareza, o meio    mais criativo de manifestar sensibilidade e reflexão. Possibilita, assim, um contato vivo  e enriquecedor com a loucura poética de Qorpo-Santo e seu texto audaz, exigente,  visionário". (Maria Helena Martins. IN: AGUIAR. Flávio. Os Homens Precários-inovação e          convenção na dramaturgia de Qorpo-Santo.Porto Alegre. A Nação/Instituto Estadual   do Livro,1975.)   (MHM)

 

 

http://www.encontrosdedramaturgia.com.br/wp-content/uploads/2010/10/Qorpo-Santo-129x300.jpgQorpo Santo (1829-1883)

 

Segue entrevista de Flávio Aguiar para o jornalista Fabio Prikladnicki, publicada em parte no Segundo Caderno da edição de Zero Hora, em 16/11/2013 (<">http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/noticia/2013/11/morto-ha-130-anos-o-escritor-qorpo-santo-continua-sendo-um-nome-a-ser-descoberto-4335955.html>;). Esta é a íntegra da entrevista, publicada aqui com autorização do entrevistador:

 

1) Em maio, completaram-se os 130 anos de morte de Qorpo-Santo. A data passou praticamente despercebida, inclusive no Rio Grande do Sul. Não houve eventos, debates, nem montagens de peças dele. Isso surpreende você?

 

FA - Não, não surpreende. Eu diria apenas que no momento Qorpo_Santo está num "descanso obsequioso". Isto acontece periodicamente com todo o tipo de autores. Além disto, 130 anos da morte, apesar de ser um número redondo, não é necessariamente uma "data mágica", como 100 ou 150, por exemplo.

 

 

2) Qorpo-Santo já foi associado por pesquisadores ao Teatro do Absurdo e ao surrealismo, que são tradições europeias. Está na hora de o associarmos a uma tradição brasileira?

 

FA - Bom, eu fiz isto na minha dissertação de mestrado, "Os homens precários - inovação e convenção na dramaturgia de Qorpo-Santo", publicada pela Editora A Nação, de Porto Alegre, hoje esgotadas, tanto a obra quanto a editora, que não existe mais. Nela eu demonstrei - não apenas afirmei - que o teatro de Qorpo-Santo estava solidamente ancorado na tradição teatral brasileira do século XIX, na comédia de costumes, no teatro realista, nas farsas portuguesas de Antonio José (que na época eram consideradas parte do teatro brasileiro). Só que ele misturou tudo, num coquetel extremamente original para a época, que não foi nem poderia ser compreendido. Neste sentido sim, ele foi um precursor das vanguardas do século XX - no de romper os códigos canônicos, misturando-os.

 

 

3) O que você acha da iniciativa da pesquisadora Denise Espírito Santo de associar Qorpo-Santo ao romantismo, a uma certa "poesia pantagruélica"?

 

FA - Conheço o trabalho da Denise, acho-o muito interessante, por ela valorizar este aspecto menos conhecido e explorado do autor da "Ensiqlopèdia" - a sua poesia. Considero a "classificação" proposta uma boa provocação, até por ir no rumo também de expor a originalidade da obra de Qorpo-Santo, que considerava como "literárias" coisas que só a modernidade do século XX valorizou: a ponta de  um lápis, o formigueiro, borrões de tinta, linguiças... coisas do cotidiano mais cotidiano. Pense num Neruda, escrevendo a "Oda a la cebolla" - impensável no começo ou meados do século XIX. E Qorpo-Santo tinha mesmo uma concepção romântica da literatura, tanto no sentido da expressão mais direta da alma humana quanto até num certo sentido didático, de formação, que sua obra queria ter. 

 

 

4) Afinal, Qorpo-Santo era louco ou não? E o quanto isso é relevante para se entender a obra dele?

 

 FA - Façamos uma distinção, a partir da obra de Foucault: perturbação mental, ou emocional, é uma coisa, loucura é outra. Ambas podem coincidir, mas a loucura é um papel socialmente construído. Na época da ditadura, por exemplo, consideravam-se loucos desvairados e assassinos os opositores do regime. Stalin fez coisa parecida com os dissidentes na Rússia. Na Alemanha nazista Hitler não era louco, mas quem se opunha a ele era assim considerado. Hoje vale o contrário. A loucura de Qorpo-Santo, vista como o símbolo de sua marginalização', seu sofrimento com ela, sim, é parte integrante de sua obra, com seu estilo confessional. Quanto à perturbação emocional, mental, ele foi diagnosticado como padecendo de “monomania”, um termo corrente na psiquiatria daquela época. Não sei como Qorpo-Santo seria diagnosticado hoje. Disturbio bipolar? Hiperatividade? Sei lá. Sei que seus escritos demonstram seu sofrimento com uma grande instabilidade  dos sentimentos, passando da prostração à hiperatividade e vice-versa em instantes, começando uma peça e não conseguindo terminá-la de modo coerente por vezes. Isto trouxe um estilo muito fragmentário para sua obra - o que também caiu no gosto das vanguardas do século XX.

 

 

5) Que aspectos da vida e da obra de Qorpo-Santo ainda precisam ser mais pesquisados? Que sugestões de temas você daria a novos pequisadores que desejem se debruçar sobre Qorpo-Santo?

 

FA - Existe ainda muita pesquisa histórica por fazer. Há pelo menos três livros dele que não foram encontrados, talvez haja mais. Seu trabalho como jornalista, bem ao gosto dos pasquins virulentos do século XIX também é interessante; novos aspectos do teatro podem ser abordados. Há a questão da recepção da obra no século XX e no século XXI. Qorpo-Santo, ao lado de Martins Pena, é o autor brasileiro daquela época mais representado pelas gerações posteriores, inclusive com montagens internacionais, embora basicamente restritas a um público acadêmico.