A André Carrazzoni Era noite. Eu pervagava mudo e solitário pelos campos desnudos do sul. A verde imensidade da campina dormia tristemente, sob a doce palpitação nervosa das estrelas. Havia encanto, inspiração e poesia, no deserto nostálgico daquela solidão. E o silêncio enorme do pampa sonolento – só era quebrado pelo estrépito rítmico do trotar cadenciado do meu pingo. O meu olhar se estendia vagaroso, procurando divulgar as silhuetas delgadas das árvores tristíssimas dos capões farfalhantes. As coxilhas vincadas, lobrigadas ao longe, davam a impressão de que eram o maxilar desdentado da larga boca azulada do horizonte. As barranqueiras esconsas, que se erguem às ribanceiras das sangas murmurosas, adensadas no negro cendal da noite, eram escuras e profundas. Súbito, as bandas distantes do Caverá começaram a incendiar-se. Uma grande chama vermelha, como uma borboleta fantástica de azas ígneas que se alasse vaporosa, pela amplidão etérea do infinito azul, subia por de trás das colinas longínquas, banhando com sua luz macilenta, a enormidade adormecida do pampa. Era a lua cheia que surgia... Detive-me. E contemplei, empolgado, o cenário colosso do pampa iluminado pela lâmpada sidérea do astro, preso pelos cordões invisíveis da atração mútua, na abóboda silente do infinito. Tudo parecia hipnotizado pelo olhar magnético da deusa luminosa que emergira das trevas, diluindo as escuridões terrenas... E, enquanto tudo a observava calado, ela prosseguia, serena, na sua ascensão de glória e de luz. * * * Depois, recomecei a marcha vagarosa, todo embebido na beleza rústica do campo, envolto na ebúrnea palidez lunar. --------------------------- Cyro dos S. Martins. Vibração: revista de literatura e ilustração. Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 25, julho 1926. |
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