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As últimas semanas de Cyro Martins | Imprimir |  E-mail

As últimas semanas de Cyro Martins - Abrão Slavutsky


A festa dos 87 anos do Cyro ocorreu nos primeiros dias de agosto de 1995. Foi uma reunião bonita realizada no living da suacasa com familiares e muitos amigos. No meio da festa li algumaspalavras sobre o amigo que diziam o quanto todos devíamos nos sentirhonrados de ser escolhidos como os amigos do rei. O nome Cyro poderiaser associado ao Rei Cyro da velha Babilônia e que foi o Bilo, seupai, quem escolhera o nome dele.


O clima da festa foi de muita alegria e ninguém imaginava queseria o seu último aniversário. Algumas semanas após fui avisadodo cancer do amigo e da impossibilidade de um tratamento.Inacreditável para ele e para todos, pois estava convencido que iriachegar aos cem anos. Cyro adorava viver, conheci poucas pessoas comtanto gosto pela vida. Escrevo e paro, paro e penso, pois na verdadeprecisei de vinte e dois anos para por no papel o que vivi naquelassemanas que antecederam a morte do analistamigo.


Na minha primeira visita que fiz ao Cyro ele parecia bem,mas necessitava fazer novos exames. Diante da possível gravidade desua situação, propus a ele que viria visitá-lo todas as semanas.Ele gostou da idéia e começamos a nos ver todas as quarta feiras àsonze da manhã. Na segunda visita que fiz ele me contou que otratamento da sua doença já não era possível. Começaram passaras semanas e pensava que era uma contagem regressiva, pois a cadasemana a morte se aproximava mais e mais. Uma semana marcante foiquando ele contou que tinha parado de atender seus pacientes. A cadaum contara que estava doente e quando se recuperasse voltaria. Escuteiem silêncio, ele e eu sabíamos que não voltaria, mas não dissemosnada. Falamos sim do difícil que estava sendo para ele não atenderos pacientes, pois era psicanalista há uns quarenta anos ou poucomais. De segunda a sexta atendia um e outro paciente, pela manhã epela tarde e gostava, gostava muito. Fui paciente dele por quase umano com quatro consultas por semana e sempre me recebia com um sorrisoe se despedia da mesma forma. Cyro Martins era um alegre psicanalistaque sabia ser suave nas suas palavras.


Paro por uns instantes para recordar tanto as conversas,como as sessões. E lembro como acolheu com satisfação minha idéiade fazermos um livro sobre sua vida. Terminei minha análise com eleem dezembro de 1987 e no ano seguinte começamos o livro _Parainício de conversa_. Lembro aqui as palavras iniciais da contracapaque ele escreveu: “Graças ao entusiasmo e persistência do Abrãoeste livro saiu”. É certo que estava entusiasmado, mas saibam queCyro também estava. Aliás, quem conheceu o velho amigo sabe queentusiasmo natural nele, fazia parte de sua essência. Entusiasmo paratrabalhar, para escrever, para conversar, entusiasmo para comer umchurrasco, entusiasmo para viajar por todo Rio Grande nos encontrosliterários. Entretanto, é preciso escrever que nas últimas semanasde vida o entusiasmo foi aos poucos diminuindo. Cyro não queriamorrer, aceitou o destino que toca a todos humanos, mas se sentiainsatisfeito de ir embora tão cedo da vida. Nunca me falou da mortenesse tempo, nenhuma vez lamentou que estivesse morrendo, mas estavaentristecido. Eu queria dizer a ele o quanto nossas últimas semanasjuntos me apertava o coração. Um dia não me aguentando de seuesforço em não falar da morte, lhe disse algo assim: “Sabes Cyroeu te vejo como um comandante em retirada, mas buscas fazer que atropa recue diante da derrota de forma organizada para ter um mínimode perdas”. Ele fez que sim com a cabeça e ficamos em silêncio.Aliás, se falamos muito nesses encontros, também fizemos algunssilêncios que expressavam nossa dor. Havia entre nós uma amizade deum irmão mais velho e um mais jovem. Um dia me contou uma históriaque ele chamou de amarga. Foi no final da década de quarenta doséculo passado quando foi surpreendido com um dos maiores sofrimentosde sua vida. Quando fizemos o livro juntos, eu percebi que os fatosmais tristonhos ele evitava contar. Agora diante de uma morte que seaproximava a cada semana, o Cyro me abria o coração. Fiquei alisentado numa pequena cadeira escutando em silêncio e quando terminouse fez um silêncio. Depois de algum tempo me ocorreu dizer:“Contaste essa passagem tão amarga para mim saber que nem tudo foifácil em tua vida?” Na hora fez sim com a cabeça e senti entrenós uma cumplicidade fraterna. Quando fui entrevistado para o livrosobre sua vida escrito por Celito Di Grandi, não falei nada dapassagem sofrida do amigo do amigo.


A partir dessa revelação biográfica fomos sentindo quenossa amizade adquiriu uma intensidade impensada por nós. Fui depoisdesse dia mais umas três ou quatro vezes mais conversar com o Cyro edepois foi internado e terminou morrendo em dezembro, mais exatamenteno dia 15 de dezembro de 1995. Sinto agora que poderia seguirescrevendo, teria mais ainda para recordar, mas já escrevi osuficiente. Sinceramente estou entristecido, mesmo tendo passado vintee dois anos de sua morte. Recém hoje decidi escrever algo sobre asúltimas semanas de vida do amigo sábio, a pedido da Maria HelenaMartins. Devia ter gravado uma a uma das nossas conversas, mas talveznão, pois perderia a espontaneidade. Falamos muito de livros, depsicanálise, da vida. Cyro Martins me fez um homem mais alegre, ecreio que fez mais alegre a todos a quem tratou ou conviveu. Dizemque ninguém é insubstituível, mas também se poderia dizer queninguém é substituível. No coração dos   amigos de Cyro, nocoração dos familiares de Cyro, no coração dos pacientes de Cyro,no coração dos seus leitores, acredito que há um espaço reservadoa esse homem psicanalista, escritor e mais que tudo um sábio. CyroMartins ensinou a todos a como se vive melhor. Obrigado amigo!