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Testemunha de outubro    -       CYRO MARTINS - os anos decisivos (1908-1951)

Fábio Varela Nascimento*

 

Cyro Martins afirmou algumas vezes que era uma “testemunha ocular da história”i e esse papel é visto com clareza em “3 de outubro”, a primeira narrativa de A dama do saladeiro – histórias vividas e andadas. No dia decisivo, ao ser informado por Waldemar Ripoll da hora de eclosão do movimento, Cyro fez o que estava ao seu alcance. Junto com Oneron Dornelles, caminhou até um “vão de porta” da Rua da Praia. De lá, avistavam os quartéis do Exército e da Brigada Militar. No espaço que separava as duas organizações, se passariam os momentos cruciais. Os dois rapazes pretendiam se juntar aos brigadianos e aos civis reunidos no quartel. O problema era que, assim como Cyro, Oneron não carregava armas e, apenas “com a bravura da alma gaúcha”, não adiantaria nada. A melhor opção era ir até a Praça da Alfândega e esperar os lances. A revolução, porém, não deixou que os dois jovens chegassem à praça. Os brigadianos saíram do seu quartel e marcharam até a frente da sede do Exército. Em uma manobra rápida, os policiais e, atrás deles, os civis, comandados por Flores da Cunha, invadiram as instalações do Exército. Depois de rápido tiroteio e oito mortos, os rebeldes triunfaram. “Em cinco minutos, decidiu-se a revolução de 30”ii. Naquele 3 de outubro, Cyro não foi só espectador. À noite, Ripoll, que tinha assumido a chefia dos Correios e Telégrafos, incumbiu o amigo de entregar nas mãos de Oswaldo Aranha um telegrama. Cyro inflou o peito e foi prestar seu serviço à revolução. Encontrou Aranha no Piratini e lhe deu a mensagem. Em instantes, Aranha liberou Cyro com um breve agradecimento. Estava cumprida a missão.

 

A Revolução de 1930 ainda não era a revolução de Cyro. Durante os embates de 3 de outubro, ele não foi mais do que aquilo que costumava afirmar ser – “uma testemunha ocular da história”. Por mais que valorizasse o breve contato com Oswaldo Aranha, Cyro não participara, efetivamente, de nada. Ele não pretendia ser apenas testemunha, queria ser ator. Foi com essa intenção que, pouco depois da eclosão do conflito, Cyro se alistou como voluntário para combater as forças que resistiam à revolução.

 

Após o alistamento, começaram os dias verde-oliva de Cyro. Mesmo sem experiência, com trajes e espingardas emprestados, ele e alguns companheiros subiram “nuns ônibus caindo aos pedaços”iii e iniciaram a jornada que deveria terminar em Itararé. Já em Viamão, Cyro experimentou as agruras da vida revolucionária. O desconforto do transporte era só a primeira etapa. Não havia nenhuma certeza de que aquele ônibus chegaria ao interior de São Paulo. Entre Viamão e Osório, o barro foi um inimigo valente – e quase vencedor. As estradas se encontravam em petição de miséria e seria necessário mais do que uma revolução para arrumá-las. O medo daqueles voluntários não era o de morrer à bala, mas o de que a próxima curva do ônibus fosse, também, a última.

 

Para Cyro, a jornada revolucionária teve dois pontos culminantes. O primeiro deles foi o amanhecer presenciado na estrada Osório-Torres. As vidas e as cores que surgiam junto com o sol do litoral eram diferentes das que surgiam com o sol da campanha. O segundo foi o contato com o mar, acostumado ao barulho manso do Rio Quaraí, Cyro não conseguiu dormir. Passou a noite em claro “pasmo com o vozeirão mitológico do monstro”iv.

 

Quando a República Velha caiu, Cyro estava em uma igreja. Ele só fez a metade do caminho para Itararé. Em Florianópolis, ele e outros quatro voluntários acamparam em uma sacristia. Era 24 de outubro de 1930 e, lá, entre duas camas, uma mesa, crucifixos, espingardas e quadros de bispos, eles descobriram que venceram a revolução sem dar um tiro.

 

Depois da vitória, Cyro e os voluntários da Igreja permaneceram em Florianópolis por “uns quantos dias inúteis, trocando pernas”v. Ele não estava entre os que viajariam até o Rio de Janeiro para testemunhar a posse de Vargas e dividir os despojos da revolução. Para ele, não sobrariam cartórios ou empregos em postos federais. Seu destino era a volta a Porto Alegre, nos mesmos ônibus quebrados, pelas mesmas estradas lamacentas. Seu papel não era o de protagonista, mas o de testemunha de outra revolução.

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* Fábio Varela do Nascimento. CYRO MARTINS - os anos decisivos ( 1908 -1951). Porto Alegre, Movimento, 2019.

iMARTINS, Cyro; SLAVUTZKY, Abrão. Para início de conversa. Porto Alegre: Movimento, 1990, p. 58.

iiMARTINS, Cyro. 3 de outubro. A dama do saladeiro. Porto Alegre: Movimento, 2000, p. 26.

iiiMARTINS, Cyro. 3 de outubro. A dama do saladeiro. Porto Alegre: Movimento, 2000, p. 27.

iv MARTINS, Cyro. 3 de outubro. A dama do saladeiro. Porto Alegre: Movimento, 2000, p. 27.

vMARTINS, Cyro. 3 de outubro. A dama do saladeiro. Porto Alegre: Movimento, 2000, p. 27.