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CYRO MARTINS - os anos decisivos (1908-1951)

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O médico da vila


Fábio Varela Nascimento**


 

Como teria repercutido no jovem "médico da vila" saber-se escolhido, se ver entre autores citadinos e (re)conhecidos como escritores? Certamente esse destaque terá sido um impulso a mais a alimentar seus apelos interiores por um futuro muito diferente da realidade quarainhense...(MHM)

  

A partir da década de 1930, o conto, até então o gênero rei da literatura do Rio Grande do Sul, começou a ceder espaço para os romances. Clarissa, de Erico Verissimo, surgiu em 1931, e, naquele 1935, Caminhos cruzados,também de Erico, e Os ratos, de seu conterrâneo Dyonélio Machado, não indicavam apenas a ascensão de uma outra forma narrativa, também mostravam que o olhar da literatura produzida no Estado se voltava para o espaço urbano. Embora tivesse trazido algumas inovações no trato da linguagem e dos personagens, Campo fora estava marcadamente ligado à tradição das histórias curtas, “vivenciadas” no ambiente campeiro. Cyro não queria deixar de escrever sobre o campo e seus habitantes. Aquela era a sua temática e ele se sentia mais à vontade quando falava sobre as pessoas e os espaços conhecidos. O momento literário, porém, era outro e, se quisesse dar seguimento à carreira, era preciso se adaptar.( leia mais)

Ele não se jogaria nos romances urbanos. Conhecia as cidades e sabia como suas gentes viviam, mas isso não significava que pudesse escrever sobre elas. Além disso, se tentasse criar narrativas que se desenvolvessem naqueles espaços, correria o risco de ser mais um a fazê-lo. Não haveria originalidade em seguir os passos de Erico Verissimo e Dyonélio Machado, assim como não houve originalidade em trilhar os mesmos caminhos de Simões Lopes Neto, Alcides Maya e Darcy Azambuja. O melhor rumo para Cyro talvez fosse o meio termo: o homem do campo que se perde ao ir para a cidade. Afinal, aqueles gaúchos a pé a quem ele se referia em tantas oportunidades não eram esses indivíduos perdidos?

Mesmo que tentasse uma via original, os contos de Cyro continuavam vinculados ao regionalismo. Com data de 28 de setembro de 1935, o número 169 da Revista do Globo fazia, já na capa, referência ao centenário da Revolução Farroupilha. Um gaúcho de semblante sério, com lenço vermelho no pescoço e lança com as cores sul-rio-grandenses na mão parece enfrentar o vento e qualquer inimigo que ameace sua terra. O tom de comemoração da Revista do Globo se repetia em suas páginas. Dentre elas, havia um destaque para “Os melhores regionalistas do Rio Grande do Sul”: João Simões Lopes Neto, Antônio Vieira Pires, Darcy Azambuja, Roque Callage, Vargas Neto, Homero Prates e Cyro Martins. Não se sabe como foram escolhidos esses “melhores regionalistas” nem o porquê de Cyro, um rapaz quase desconhecido do público, estar entre eles. Os critérios de seleção, no entanto, pouco importavam, assim como não importava que tivessem escrito Ciro no lugar de Cyro, que tivessem excluído o velho Alcides Maya do time dos melhores. Interessava que ele estivesse naquele chamativo número da Revista do Globo, ao lado de alguns autores lidos desde a sua adolescência.

Seguindo a tradição da literatura produzida no Rio Grande do Sul por muitos anos, os textos dos melhores regionalistas se concentravam, em grande parte, no gênero conto. Vargas Neto e Homero Prates, com trabalhos poéticos, formavam as exceções. Pelo histórico e o peso do nome, Simões Lopes Neto abria a extraordinária seção da revista com “Duelo de farrapos” e era o único a ter três contos publicados – “Boi velho” e “O mate do João Cardoso” eram os outros dois. Antônio Vieira Pires colaborava com “A agonia do caudilho”, que integrou o livro Querência: contos regionais, editado pela Livraria do Globo em 1925. “Fogão gaúcho”, de Darcy Azambuja, fazia parte do premiado No galpão: contos gauchescos, também da Globo e de 1925. O conto de Roque Callage, “Ritoca”, era outro publicado nos anos 1920 – 1927, em Quero-quero: cenas crioulas – e impresso pela Livraria do Globo. Das contribuições poéticas, “Carreteiro”, “Aquela china”, “Cousa velha” e “Gaúcho”, de Vargas Neto, vinham de uma produção da Globo – Tropilha crioula: versos gauchescos, de 1925. “Ronda dos heróis”, de Homero Prates, compunha o ainda inédito Ao sol dos pagos, que sairia em 1937, mas não pela Globo.

O “Conto sem nome” foi publicado por Cyro em Campo fora, de 1934, e, anos depois, receberia o título de “Amor caipora”. Como na maioria das ocorrências de “Os melhores regionalistas do Rio Grande do Sul”, Campo fora teve edição da Livraria do Globo, fato que diz muito sobre a escolha dos textos que compuseram a seleção. Sem variações linguísticas quanto aos demais contos de Campo fora, a narrativa de “Conto sem nome” se concentra no personagem de Pedro Ajala, um tropeiro entrado em anos que se ajusta às lidas campeiras, mas não consegue se ajustar às lidas amorosas. Já no início, aparece o tom saudosista que perpassa toda a história. Troteando, com os “olhos cravados pra dentro”, Ajala assobia “uma marca quase esquecida, de outro tempo, sim, de outro tempo!”[1]. O “outro tempo” suscitado pela música até pode se referir a uma suposta grande época do Rio Grande do Sul. Entretanto, o desenrolar de “Conto sem nome” trata de um tema ao mesmo tempo universal e individual. O saudosismo de Pedro Ajala se manifesta em relação a ele mesmo, ao que fora na juventude e às possibilidades que tivera quando rapaz.

O que desperta esse olhar para trás, comum em certos momentos da vida de qualquer sujeito, é a paixão de Ajala pela “delgada, guapa, leve”[2] e moça Jovita, filha do amigo João Martim. Havia muitos obstáculos entre Pedro e Jovita. Além da diferença de idade, Jovita era noiva de Nilo. Apesar de ser homem vivido, conversador, andarengo, sabedor das trilhas da campanha, Pedro Ajala não podia concorrer com a juventude e o amor que Jovita sentia por Nilo. O tempo é o grande culpado pela paixão frustrada. Ajala tem consciência da impossibilidade de conquistar Jovita e pensa que aqueles sentimentos fariam com que ele parecesse ridículo aos olhos dos conhecidos. Em dado momento, ele se pergunta sobre o que diriam os outros se tomassem ciência da sua queda por Jovita. A resposta não demora a ser elaborada por Ajala: “Seria daí por diante um desgraçado, se soubessem... E teria de andar depois à toa pelos galpões alheios, acuado, só, porque ninguém mais o levaria a sério. E todos, até o traste do negro Nicolau, haveriam de fazer deboche do homem velho bobo”[3]. Pedro Ajala se envergonhava por ser um “homem velho” e estar enrabichado por Jovita. Essa vergonha tornava-o irreconhecível frente aos amigos. Estranhando os silêncios do antigo conversador, João Martim foi um dos que acreditou que Ajala andava “mal”.

Ajala não era o antigo falador das rodas de chimarrão nem se sentia à vontade na presença de amigos e conhecidos. Quando chegava às paradas habituais, logo protestava “negócios de urgência” e partia. Pedro Ajala tinha medo de que suspeitassem dos motivos de seu desânimo e preferia ficar sozinho. A solidão do protagonista também está ligada à questão do tempo passado. As escolhas de antes afetavam seu presente. Troteando pela campanha, ele se pergunta: “Por que não roubara a neta do Neco Serpa da vez que ela quis ir na garupa daquele seu bagual tostado? E a chininha do Passo do Lagoão, por que a recusara”[4]. Naqueles anos, ele “era moço, fachudaço, gaudério, sem querência” e “seu coração caborteiro nunca se deixara manear”[5]. O texto deixa claro que, durante a mocidade, Ajala pensava em si, na sua liberdade, no que poderia ser vivido no momento. O futuro era algo distante, inalcançável.

No entanto, ao atingir o futuro e a velhice, Pedro está só, olhando para trás, procurando um motivo para se agarrar à vida. Quanto às mulheres que deixou pelo caminho, Ajala pensa que “se tivesse agarrado uma, qualquer que fosse, talvez a vida lhe corresse melhor agora. Porque sentia dentro do peito cansado uma vontade enorme de ter um rancho, e poder dizer como os outros – a minha casa, o meu biongo, a minha morada”[6]. Pedro Ajala pode ver em Jovita sua última chance de acomodação. Além disso, o frescor da moça representaria uma volta a sua própria juventude.

Em “Conto sem nome” há duas impossibilidades: a volta do tempo e a realização do amor de Pedro Ajala. Ambas se desenvolvem ao longo do conto, mas a última tem sua cena final quando Ajala avista o rancho construído para Jovita e Nilo. Perto da casinha simples e caprichada, “um casal de João-de-barro, mui ancho, aquecia-se pimpão ao sol flaquito da manhã”[7]. Pedro Ajala não tem piedade e atira nos dois pássaros. Com um tiro, não matava só os animais, também mostrava seu ódio em relação à Jovita e ao Nilo, a todos aqueles que pareciam se realizar no amor e achar um companheiro para a vida.

Apesar do cenário localizado na campanha e da linguagem pitoresca de certas passagens (achichonado, estransilhado e fachudaço são alguns vocábulos que soam estranhos ao leitor desacostumado ao palavreado do campo), os temas da história publicada por Cyro superam a ideia de um regionalismo. De todos os trabalhos da seção de “Os melhores regionalistas do Rio Grande do Sul”, o conto de Cyro é superado apenas pelos textos de Simões Lopes Neto. Isso não quer dizer, contudo, que Cyro era muito bom e os outros um tanto fracos.

 

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[1]MARTINS, Cyro. Conto sem nome. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 169, p. 36, 28/09/1935.

[2]MARTINS, Cyro. Conto sem nome. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 169, p. 36, 28/09/1935.

[3]MARTINS, Cyro. Conto sem nome. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 169, p. 36, 28/09/1935.

[4]MARTINS, Cyro. Conto sem nome. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 169, p. 37, 28/09/1935.

[5]MARTINS, Cyro. Conto sem nome. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 169, p. 37, 28/09/1935.

[6]MARTINS, Cyro. Conto sem nome. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 169, p. 37, 28/09/1935.

[7]MARTINS, Cyro. Conto sem nome. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 169, p. 37, 28/09/1935.

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 Cyro Martins - os anos decisivos (1908-1951) - tese de Doutorado e livro de Fábio Varela Nascimento - leia trechos escolhidos pelo autor. 


** NASCIMENTO, Fábio Varela. Cyro Martins – os anos decisivos (1908-1951). Porto Alegre: Movimento, 2019, p. 142-145.


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