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Desconsolo

 

Cristina Macedo

 

 

Alguns meses se passaram desde que peguei o trem. Eu, sem destino.

Naquele dia, passei horas sentado na poltrona que me coube: tempo suficiente para assimilar o novo personagem.

Desci do trem numa praia. Lugar pequeno e - imaginei - apropriado. Fui direto ao mar, entrei na água vestido, como um louco.

Mais tarde, enquanto, ainda molhado, caminhava pela cidadezinha, exercitei meu olhar perdido. O silêncio que planejara não era sacrifício. Desde o acidente, tenho falado apenas o necessário. Em minha nova vida, escolhi ser mudo.

Não demorou para que as pessoas estranhassem minha presença. Algum tempo mais e estava na delegacia. Sem documentos, cercado por policiais que faziam muitas perguntas e me observavam. Eu, calado, olhar distante. Nenhuma pista. Espanto.

Depois da delegacia, o hospital. Vários médicos me examinaram. Diagnóstico: doente mental. Eu me esforçava para que pensassem que sim. Internaram-me.

No início, passava quase todos os dias olhando pela janela. Algumas vezes, passeava pelo gramado verde-musgo do hospital. Outras, ia para a capela e tocava piano por horas, lembrando Mozart e Beethoven.

Com o passar do tempo, a solidão angustiava-me. E, ao contrário do que imaginara, estava ficando difícil permanecer calado.

Hoje, alguns meses depois de minha internação, resolvi que falaria. A enfermeira aproximou-se com a pergunta de sempre:

- Podemos conversar, hoje?

- Podemos sim. Sobre o que? - respondi.

Em poucos minutos, funcionários e pacientes estavam a minha volta, ansiosos. Eu tinha recuperado a fala! Não era mudo! Logo quiserem saber minha história.

Contei a verdade. Não suportava mais aquela farsa. Falei sobre o acidente que matou minha mulher e minha filha, sobre ter sido pianista que amava os compositores clássicos, sobre a família.

E, como num vômito, falei de minha impossibilidade de retomar a vida. A única saída era recomeçar do zero, em outro lugar, sem identidade, uma pessoa reinventada.

No entanto, tudo foi em vão. Olho para as pessoas e sinto desprezo. Em algumas, vejo aquele olhar de piedade do qual eu tentava fugir.

Não tem solução. Tudo voltou a ser como antes, em especial meu desespero. Não consigo mais viver...

Olho para a janela aberta. O que me esperará dez andares abaixo?