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CINEMA E LITERATURA: A CONFLAGRADA FRONTEIRA E-mail
Fronteiras Culturais

 

Moacyr Scliar *

 

"Leia o livro, veja o filme", era uma recomendação muito freqüente quando surgiram as primeiras adaptações cinematográficas de obras literárias. Hoje em dia, a ordem da sentença mudou: as pessoas primeiro vêem o filme (ou a novela, ou a série de tevê) e aí vão atrás do livro, não raro transformando-o em best-seller, como aconteceu com "Hilda Furacão", do escritor mineiro, recentemente falecido, Roberto Drummond. Explicável: o público de tevê conta-se por milhões de pessoas, o dos livros, por milhares - no máximo: em muitos casos, algumas centenas já está bom. Nos Estados Unidos não são raros os autores, sobretudo os profissionais (comerciais, diriam alguns) que já escrevem suas obras de olho na adaptação. Esta, naturalmente, rende muito mais. Popularidade e grana à parte, ganha a literatura quando é transposta para a tela, grande ou pequena? Esta é uma questão ainda aberta.

A literatura precede de milênios tanto o cinema como a tevê. Portanto, adotou um caminho próprio, que só raramente previa adaptações (para o teatro, por exemplo). A forma literária tem sua estética, que não é a estética da imagem. Uma vez participei em uma equipe de criação da Globo, que estava trabalhando em uma série chamada "Obrigado, doutor", e para a qual eu havia sido convidado por causa da dupla condição de médico e escritor. Foi uma experiência inusitada. Para começar, a criação literária é, com raras exceções, algo eminentemente individual, pessoal. Já a tevê e o cinema exigem a colaboração de vários profissionais. Além disso, é preciso pensar na história tal como será vista na tela, coisa que para mim era difícil. O diretor dizia que meus textos eram muito bons, literariamente falando, mas precisavam ser roteirizados. Para tal, existem especialistas. Depois de roteirizado e filmado o texto literário fica bem diferente do que se vê no livro. Daí a anedota daquela cabra que, depois de mastigar um vídeo tape num lixão, resmunga: "O livro era melhor". Os escritores não raro ficam surpresos com o que vêem. Pois tudo pode acontecer. Um bom livro pode dar um mau filme; um mau livro pode dar um bom filme. Um mau livro pode dar um mau filme e, Deus seja louvado, um bom livro pode dar um bom filme. É uma verdadeira caixa de surpresas, que exige do autor muito equilíbrio emocional. Jorge Amado tinha uma solução para esse problema; muitas vezes ele me disse: "Cada vez que cedo os direitos de um livro para o cinema, esqueço que sou autor."

Os escritores foram inevitavelmente influenciados pelo cinema. Aquelas longas descrições de paisagens dos antigos romances tornaram-se anacrônicas: a câmera faz isto muito melhor. Em compensação, a literatura permite explorar o fluxo da consciência, e até o inconsciente, muito melhor do que o cinema - uma afirmativa que Cyro Martins, grande escritor e grande psicanalista, certamente referendaria. Sobretudo, permite valorizar a palavra como instrumento de criação de beleza. A literatura continua, sim, sendo uma arte autônoma. Ela responde a uma necessidade do ser humano que vem desde os primeiros manuscritos e que terá continuidade por muito tempo ainda.

Moacyr Scliar
é Escritor e Médico