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Linha divisória une dois países | Imprimir |  E-mail

Moradores de Santana do Livramento, no Brasil, e Rivera, no Uruguai, farão até Desfile Farroupilha conjunto
LUÍS EDUARDO AMARAL/ Correspondente/Santana do Livramento


Dá para imaginar um cliente ligar para a telentrega de pizza de outro país e receber a comida em minutos? Ou sair com os amigos para jantar no Exterior e esticar a noite em sua cidade? Parece tratar-se de um milionário, personagem de ficção. Quem conhece a fronteira Santana do Livramento-Rivera, porém, sabe que isso não só é possível, mas habitual para moradores das cidades-irmãs.

Uma das poucas datas comemoradas separadamente nos dois municípios - Carnaval e procissões são sempre juntos - passou a ser unificada ontem. A data máxima dos gaúchos mereceu festa conjunta, a primeira da história, com a participação de 10 entidades uruguaias e 42 brasileiras. Somadas as forças, a organização pretende promover, no sábado, o maior desfile de cavalarianos do mundo, com 8 mil ginetes.

A fronteira surgiu em 1867, com a criação de Rivera, uma estratégia do governo uruguaio para defender seu território do Império Brasileiro. Livramento já existia desde 1823. A partir daí, os povoados cresceram juntos e se tornaram uma única cidade com "dois bairros distintos", conforme o historiador Victor Hugo Vargas. O estudioso nasceu há 54 anos no município gaúcho, filho de pai brasileiro e mãe uruguaia, e morou 15 anos em Rivera.

Vargas é um exemplo do doble-chapa, o cidadão de dupla nacionalidade. A expressão teve origem numa curiosa obrigação dos veículos: ter uma placa de cada país como licença para trafegar na fronteira.

- A linha divisória é imaginária para nós, já que temos amigos e familiares nos dois lados, falamos português com alguns e espanhol com outros - diz o historiador.

As peculiaridades são tantas, que algumas passam despercebidas dos habitantes. Quem trabalha em farmácia precisa conhecer os medicamentos brasileiros e uruguaios. O consumidor atravessa a fronteira na busca do melhor preço, conforme a oscilação do câmbio. Há pouco tempo, quando o real estava desvalorizado e provocava uma invasão de hermanos, os comerciários santanense recebiam clientes com um "a sus ordenes, señor! En que puedo ayudarlo?" antes de saber se era uruguaio. Hoje, as lojas dispõem os preços em real e peso e nos caixas há uma mistura de moedas e notas dos dois países. No tempo dos carros doble-chapas, isso era feito só por casas especializadas.

- Custei a entender que podia ficar no meio da rua, com um pé em cada país - diz o jornalista argentino Gustavo Barbato.

Natural de Olavarria, há 12 anos Barbato mora em Livramento e trabalha em Rivera, onde estuda seu único filho - a mãe é brasileira. O tradicional rigor do ensino uruguaio incentivou famílias santanenses a matricular seus filhos no Uruguai, enquanto os hermanos preferem cursar faculdade e trabalhar no Brasil. Esse choque de culturas criou o portunhol, um dialeto mesclando as duas línguas.

Nessa fronteira insólita, o Carnaval de rua é internacional faz tempo - a rainha atual, Karen dos Santos Rodrigues, é uruguaia. Já tem também clube de futebol e jornal binacional. Comemorando 66 anos, A Platéia é o único diário do Brasil escrito em português e espanhol. E há dois anos surgiu o Rivera Livramento Futebol Clube, uma entidade com o nome das cidades, as cores dos países, formado por atletas dos dois lados.

Os exemplos de rivalidade são tantos quanto os de união. Se as bandeiras de Brasil e Uruguai são hasteadas em todas as solenidades, uma saída de boate ou uma pelada de futebol pode virar uma guerra. As brigas generalizadas entre os jovens costumam unir os compatriotas contra os vizinhos. Essa mesma disputa se nota entre amigos no futebol do fim de semana. De um lado, os riverenses vestindo as cores de Peñarol e Nacional; do outro, santanenses de Grêmio e Inter. As meninas de Livramento suspiram por garotos uruguaios na adolescência, e as "chicas" de Rivera fazem o mesmo pelos rapazes brasileiros. Dizem ser uma fase da vida, mas pode daí surgir mais uma família de doble-chapa.

(luis.amaral@zerohora.com.br)

Curiosidades

O primeiro jogador de clube gaúcho a atuar pela Seleção Brasileira foi um doble-chapa nascido em Rivera. O zagueiro Cipriano Nunes Silveira, o Castelhano, jogava no 14 de Julho e disputou o Sul-Americano do Chile, em 1920.

O Grêmio Santanense é o único clube de futebol no Brasil - talvez no mundo - a já ter disputado uma partida no Exterior como mandatário do jogo durante o campeonato de uma federação brasileira. Foi pelo gauchão, nos anos 90, enfrentando Grêmio, Internacional e Juventude no Estádio Atílio Paiva, em Rivera.

Desde a Copa do Mundo de 1970, as polícias das duas cidades fecham a fronteira quando Brasil e Uruguai se enfrentam no futebol e quando a Seleção conquista grandes torneios. Em 1970, após o Brasil vencer o Uruguai, com um gol de Rivelino, a estátua de Artigas - o grande herói uruguaio - amanheceu coberta com a camisa do atacante no dia seguinte.

No final dos anos 50, um fiscal aduaneiro prendeu um brasileiro em Rivera, numa caminhonete cheia de bebidas e comida contrabandeadas. Ele entrou no veículo e ordenou que o motorista fosse para a aduana, na linha divisória. Quando se aproximou do prédio, o infrator acelerou a caminhonete e cruzou para Livramento. Ainda percorreu um quarteirão até ser interpelado pelo fiscal.Em território brasileiro, o contrabandista surrou o fiscal e ameaçou chamar a polícia brasileira para denunciar cobrança de coima (propina)

Na década de 80, um ladrão entrou no pátio da casa de uma professora a cem metros da fronteira, mas foi surpreendido pelo dono da residência. O homem saiu, com revólver em punho, atrás do invasor, que correu para o Uruguai. Ao cruzar a fronteira, o ladrão pediu socorro a um policial, dizendo estar sendo vítima de um assalto à mão armada. O brasileiro foi preso e teve de dar muitas explicações. O ladrão voltou ao Brasil.

Há dois anos, a polícia uruguaia encontrou um cadáver semi-enterrado no Cerro do Caqueiro, na fronteira. Na dúvida de quem era a responsabilidade pelo caso, policiais brasileiros foram chamados. Ninguém sabia determinar de que lado o corpo estava. Depois de esticar uma linha entre dois marcos divisórios, descobriram que o morto estava um metro e meio no Brasil.

A procissão de Corpus Christi é integrada entre as paróquias da fronteira. É normal a missa começar na igreja de um lado e terminar na cidade vizinha. O curioso é que a procissão caminha por uma cidade cantando em seu idioma e, ao cruzar para o outro lado, adota outra língua. Neste ano, as pessoas que estavam na frente da caminhada já cantavam em português enquanto os que estavam no fim da fila continuavam a reza em espanhol, pois não haviam cruzado a fronteira.