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Roberto Bittencourt Martins


Para reler Sem Rumo, tomo da estante, por acaso, sua primeira edição (a carioca, da Ariel, de 1937) Leio a dedicatória de Cyro a meu pai: “Ao meu caríssimo amigo Mário Martins, com um grande abraço do Cyro. Rio, 7/7/1937”. Deixando de lado as reedições posteriores, com atualizações ortográficas e algumas modificações do autor, vou prosseguindo a leitura do romance classificado então, em sua capa, como “novela”.Lá pela metade, descubro entre suas páginas uma fina folha do papel de correspondência usado na época – uma curta carta de Cyro também datada de 7/7/1937, dando notícias rápidas de sua vida no Rio (“Vou bem. Tenho estudado e aproveitado muito”), dos amigos comuns, Carlos Tettamanzy e Lino Mello e Silva, que também viviam no Rio.

Breve, a carta termina: “Escreve em seguida. Muito me interessa a tua opinião a respeito de Sem Rumo. Recomendações a Zaira e ao filhinho.” No verso da folha, na letra de meu pai, vejo algumas anotações de números  das páginas, correspondentes a trechos sublinhados no texto, provavelmente utilizadas na resposta que meu pai terá mandado a seu colega de Faculdade e amigo desde os 18 anos – e, como dirá o futuro, de toda a vida. Assim, guardado dentro do livro, o passado se faz presente. Sou eu o filho, então com seis meses – e aqui estou a ler o romance do amigo, recebido por meu pai há setenta anos, no vilarejo de Boa Esperança, distrito de Marcelino Ramos, quando lá exercia suas funções de medico geral no interior norte – a “Colônia” – do Rio Grande do Sul. E, também, como ele, a enviar uma opinião – setenta anos depois – sobre o romance que permanece vivo e atual.

Iniciando a “trilogia do gaúcho a pé”, Sem Rumo começa, num significativo  contraste, com o encilhar de um pingo – instrumento de trabalho, símbolo de poder e, sobretudo, companheiro fraternal de lides e aventuras do homem do campo. O romance desenha com maestria costumes e vicissitudes dos moradores da campanha gaúcha na primeira metade do século XX. E nos faz acompanhar o crescimento do meninote sem pai nem mãe que vai sendo despojado não só de seu cavalo, mas do pouco que ainda possui : a expectativa de um futuro modesto, mas conhecido, de trabalhador do campo. Arrastado pela  correnteza das mudanças sócio-econômicas, Chiru parte para a cidade, em busca de um novo trabalho, de um novo papel no mundo e da reintegração de uma identidade perdida. Como toda obra de arte, o significado de “Sem Rumo” se renova com o correr do tempo e talvez possa hoje ser sentido também como uma metáfora do destino de toda uma região e de seus moradores nesse princípio de um novo século.

*Roberto Bittencourt Martins é médico psicanalista e escritor