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DISFUNÇÃO NEUROCOGNITIVA APÓS CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO DO MIOCÁRDIO

João Roberto Sala Domingues*

Wanderley Domingues**

Introdução

As doenças cardiovasculares adquiriram uma maior importância durante o século XX, com o aumento da expectativa de vida da população em todo o mundo. Nos Estados Unidos no ano de 1900, chegava a ser de 47 anos; atualmente é de 78 anos. No Brasil, segundo dados do IBGE, a expectativa de vida é de 73 anos. Existem cerca de 15 milhões de habitantes no Brasil com mais de 60 anos e este valor tende a dobrar em menos de 20 anos.

Por outro lado, a urbanização, que aconteceu no século XX nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, trouxe consigo alguns problemas, como uma menor atividade física, uma alteração nos hábitos alimentares com um maior consumo de gorduras, tabagismo e estresse.

Esse aumento da expectativa de vida, aliado aos problemas decorrentes da mudança no estilo de vida das pessoas, acabou por determinar aumento na incidência das doenças cardiovasculares, que surgem mais freqüentemente após os 50 anos.

A doença cardíaca isquêmica ou doença coronariana é a principal causa de morbidade e mortalidade em países desenvolvidos. No Brasil as doenças do aparelho circulatório representam a principal causa de óbito no país (26,3%) e a doença coronariana é responsável por 83.194 óbitos em todo Brasil, sendo 25.643 óbitos apenas no estado de São Paulo.

Nas últimas décadas, a cirurgia de revascularização do miocárdio (RM) tem sido o tratamento de escolha no combate da doença coronariana e aproximadamente 800.000 procedimentos cirúrgicos de RM são realizados anualmente em todo o mundo. No entanto, um número considerável de pacientes tem apresentado alterações neurocognitivas após serem submetidos a estes procedimentos.

Monitorização Neurológica

Evidências de alterações cognitivas neurológicas após procedimentos de RM têm sido importante causa de morbidade pós-operatória. Em um grande estudo com 2108 pacientes submetidos à cirurgia de RM, cerca de 6,1% destes apresentaram algum tipo de comprometimento cognitivo em até 24 meses após a cirurgia.

Sir Henry Souttar, em 1925, foi um dos primeiros cirurgiões cardíacos a suspeitar de possíveis danos cerebrais durante a cirurgia cardíaca. As primeiras descrições mais detalhadas dos efeitos da cirurgia cardíaca no sistema nervoso foram realizadas somente a partir de 1967 por Gilberstadt; de maneira semelhante, Tufo, em 1970, e Lee, em 1971, também confirmaram esses déficits neuropsicológicos naquela época.

A cirurgia cardíaca de RM com o uso de circulação CEC é um eficaz tratamento cirúrgico na doença coronariana, entretanto, esse procedimento pode causar acidente vascular cerebral em aproximadamente 1 a 5% dos casos. Déficits cognitivos também podem ser observados após essa cirurgia. A incidência desses déficits tem sido relatada em até 50% dos pacientes na alta hospitalar, 20 a 50% após 6 semanas e 10 a 30% após 6 meses da cirurgia. Pacientes que apresentaram um declínio cognitivo logo após a cirurgia também apresentaram declínio cognitivo tardio em até 40% dos casos em seguimentos de até 5 anos. Embora a causa desses danos cerebrais provavelmente possa ser multifatorial na RM com o uso de CEC, êmbolos e períodos de hipóxia cerebral podem ser fatores importantes a considerar.

As conseqüências clínicas de microêmbolos cerebrais dependem mais da sua composição do que da quantidade. Os microêmbolos detectados durante a RM podem ser sólidos ou gasosos. Geralmente os êmbolos sólidos são compostos de material de placas de ateroma, agregados plaquetários ou células de gordura e provavelmente são mais danosos ao cérebro quando comparados aos êmbolos gasosos. Esses êmbolos sólidos são os mais comuns durante os primeiros instantes após o clampeamento da aorta ascendente na cirurgia de RM.

A cirurgia de RM com CEC resulta em uma perfusão não-pulsátil promovendo um aporte fixo de fluxo sanguíneo, o que provavelmente cause regiões de hipóxia e edema cerebral difuso, que poderia ser evitado com a cirurgia de RM sem o uso de CEC. Outro fator associado estaria no fluxo sanguíneo contínuo, que seria ineficaz para retirar possíveis êmbolos alojados nos vasos cerebrais.

Além da hipóxia e dos êmbolos cerebrais, outros fatores se associam como causais dos déficits cognitivos, como inflamação sistêmica causada pelo aparelho coração-pulmão e alterações do metabolismo cerebral devido à anestesia.

A idade e o envelhecimento dessa população de pacientes geralmente idossos é importante fator para o declínio cognitivo observado, no entanto uma comparação entre pacientes submetidos à cirurgia de RM e um grupo-controle não submetido à cirurgia, mostrou uma deterioração cognitiva mais intensa do primeiro grupo quando comparada ao grupo-controle.

Avaliações Neuropsicológicas

A seleção de instrumentos neuropsicológicos sensíveis e específicos é fundamental para uma correta avaliação para a cirurgia cardíaca, como esse procedimento cirúrgico pode afetar o cérebro e como e quais intervenções médicas podem ser úteis para prevenir os déficits cognitivos. As decisões a respeito da seleção dos instrumentos são guiadas frequentemente pelo conhecimento prático e teórico de cada pesquisador ou grupo de pesquisa. Os grandes seguimentos de pacientes muitas vezes são limitados pela baixa disponibilidade dos pacientes e pelas dificuldades de acompanhamentos.

Outro importante fator a ser considerado são os estados de ansiedade, depressão, dor e cansaço que limitam a aplicação dos testes em uma avaliação extensiva, além do tempo que demandam para uma correta avaliação, que chega a ser de 50 a 60 minutos. Muitos dos testes também não compreendem todas as capacidades cognitivas do paciente, consequentemente, é impossível identificar adequadamente as áreas específicas que podem ser afetadas em uma cirurgia cardíaca se apenas algumas capacidades são avaliadas. Alguns testes como a escala de inteligência de Wechsler para adultos (WAIS-III) e outros semelhantes apresentam apenas pequenas alterações nessas avaliações.

Os testes mais comumente empregados, além do WAIS-III, são os testes de atenção (dígitos), memória verbal (teste de Buschke) e visual (Reprodução Visual), destreza manual (Grooved Pegboard), fluência verbal (FAS), habilidade viso-motora (Cubos), funções executivas (teste de Wisconsin), sintomas de depressão (Inventário Beck de Depressão) e ansiedade (Inventário de Ansiedade Traço-Estado), teste de aprendizagem auditivo verbal de Rey (RAVLT) e o de controle oral de associação de palavras (COWAT).

Por último torna-se difícil comparar resultados de diferentes estudos quando cada um seleciona distintas baterias de testes para a avaliação neuropsicológica.


Resultados

Apesar das limitações das avaliações neuropsicológicas, é indiscutível que alguma parcela dos pacientes desenvolve pelo menos complicações cognitivas temporárias após a cirurgia de RM utilizando a CEC. Estudos avaliando esses pacientes, no momento de sua alta hospitalar, encontraram declínio pós-operatório na aprendizagem e nas memórias verbais e visuais, na atenção complexa, no processar de informação e na velocidade psicomotora em até 70% dos pacientes. Quando os pacientes submetidos à RM com CEC são avaliados uma semana após a cirurgia, os déficits nessas capacidades ainda estão presentes.

Uma análise longitudinal desses déficits, entretanto, produziu relatórios contraditórios. Um número de estudos sugere que parcialmente, se não completamente, a resolução dos sintomas pode ocorrer em algum momento entre 2 e 6 meses após a cirurgia, quando outros estudos sugerem que os déficits persistam até 5 anos após a RM. Alguns estudos encontraram um retorno dos déficits na memória verbal, na atenção e na velocidade psicomotora após 2 meses da cirurgia, ou após 6 meses. Um estudo recente de 261 pacientes de RM encontrou déficits cognitivos em 53% dos pacientes avaliados na alta hospitalar, em 36% após 6 semanas, em 24% após 6 meses, e em 42% após 5 anos.

Durante os últimos anos, uma nova técnica cirúrgica foi desenvolvida, tornando possível a cirurgia de RM sem desviar o sangue do coração. Ao invés de utilizar a CEC, os cirurgiões retardam quimicamente o coração a 40 batidas por minuto e estabilizam-no mecanicamente de modo que o enxerto possa ser realizado apesar da batida contínua do coração. Os relatórios preliminares da RM sem CEC sugerem que muitas das complicações que ocorrem normalmente em conseqüência da RM com CEC são reduzidas ou eliminadas.

Há um crescente interesse na cirurgia de RM sem o uso de CEC. Dessa forma, evidências têm sugerido que a cirurgia sem CEC seja tão eficaz quanto a cirurgia com CEC, no que diz respeito à morbidade e à eficácia cirúrgica do procedimento. No entanto é ainda incerto se a cirurgia sem CEC reduza a incidência do risco para déficits cognitivos após o procedimento. Estudos preliminares utilizando Doppler transcraniano, o qual permite uma avaliação cerebrovascular rápida, segura e não-invasiva, sugerem que há uma menor incidência de microêmbolos em procedimentos sem CEC quando comparados com o uso da CEC.


Conclusões

Os microêmbolos e a perfusão contínua cerebral têm uma relevância significante para compreendermos a patofisiologia dos resultados neurológicos e cognitivos adversos associados à cirurgia de RM. Diversos estudos têm relatado que a cirurgia de RM sem o uso da CEC está associada com uma redução significativa no número do microêmbolos cerebrais quando comparada à cirurgia tradicional de RM com CEC. Apesar dessa redução, os trabalhos apresentados ainda têm mostrado importantes déficits cognitivos nesses pacientes.

Há uma grande suspeita de que a composição dos êmbolos seja muito mais importante do que a quantidade de êmbolos que atingem o cérebro durante o procedimento cirúrgico.

Os autores sugerem que talvez a composição do material embólico possa ser um dos fatores prognósticos no pós-operatório, mas consideram que outros fatores também podem interferir na recuperação.

Os achados dessa revisão são importantes não somente para confirmar que a cirurgia de RM sem CEC está associada a uma menor quantidade de êmbolos detectados no cérebro, mas também para frisar que os êmbolos podem não ser a única origem responsável pelos déficits cognitivos observados após cirurgia de RM.

Predizer pacientes em risco para o déficit cognitivo após a cirurgia de RM permite a possibilidade de muitas intervenções importantes. Primeiramente, a identificação de variáveis significativas do prognóstico pode permitir aos médicos selecionar e aconselhar os pacientes de alto risco para déficits cognitivos persistentes. Em segundo lugar, a introspecção na base molecular de complicações neuropsicológicas de intervenções cardíacas cirúrgicas é crítica para criar estratégias eficazes para prevenções de déficits após a cirurgia. Por último, as drogas ou as técnicas baseadas na prevenção do componente de perfusão e dos danos cerebrais podem permitir que a intervenção reduza possíveis sequelas. O poder preventivo e as armas para reduzir danos celulares associados a outros danos neurológicos nos dão esperanças para, no futuro, diminuir marcadamente o impacto da RM com CEC nos danos cerebrais e seu declínio cognitivo, a curto e a longo prazo, melhorando a qualidade de vida dessa parcela de pacientes.

Referências Bibliográficas

Pelo fato de ter o propósito de divulgação, no Jornal MenteCorpo, omitimos as notas que fundamentam este artigo, em seu original, mas os dados aqui apresentados podem ser plenamente conferidos em publicações especializadas.

 

Apresentação em Powerpoint

 

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* João Roberto Sala Domingues - Médico Neurointensivista, Pós graduando do Hospital das Clínicas da FMUSP

** Wanderley Domingues - Médico Psiquiatra e Psicanalista