Construir a Educação* | Imprimir |



Roberto Curi Hallal**

A humanidade não precisa mais de regulação através da educação, mas de uma educação nova, com uma abordagem que inclua no conteúdo desta educação temas relacionados com a vida e com a inserção dos humanos na vida social e familiar. Faz-se necessária e urgente uma revolução na educação. Temos pistas a partir da deserção escolar, do desinteresse dos jovens e adolescentes em relação à escola, da desorientação dos professores e da impossibilidade de a escola cumprir com novas exigências sociais como a de substituir a família na educação dos filhos.

 

Os estragos causados pelo acúmulo de conhecimentos desordenados, alheios aos interesses da espécie, se salvam apenas quando alguma relação constitui um vínculo entre alunos ou entre alunos e professores para enaltecer o valor dos cuidados como fator fundamental de referencial de constância à vida, sendo este elemento o principal construtor de modelos para as identificações que comporão a personalidade de cada um.

Independente da classe social, do lugar e da família em que cada um nasça, há um lugar especial para as relações entre os humanos. Toda vez que esta forma de fazer cultura fica em um plano secundário a mente humana passa a responder de forma automática, pois sem afeto e sem motivação os humanos funcionam baseados em habituações, repetições e outras expressões automatizadas que costumam acompanhar as tarefas vulgarizadas pela falta de paixão e dedicação, baseadas na racionalidade.

Desta forma descobrimos que desenvolver o conhecimento, no sentido de dar valor aos Encontros Humanos, fazer deles o começo o meio e o fim de qualquer projeto, é fundamental para o sucesso de qualquer ordem.

Todos sabem que o ser humano vive lutando contra o abandono e a perda da consideração e do amor das pessoas queridas. Esta procura supera todas as outras, sendo esta a base sobre a qual se apoiarão todas as outras procuras e interesses. Ninguém alcança ter paz para outras atividades se não estiver com a certeza de ser amado e de ter a confiança em si mesmo para realizar o que possa de melhor. O sentimento de desamor que acompanha muitos está baseado no vazio que proporciona esta base.

Metaforicamente diríamos que todos necessitam de um olhar familiar que nos revista de importância para criarmos uma confiança básica em nós mesmos. Cabe dizer também que esta confiança se pode alcançar em qualquer momento da vida. É por demais  trágico imaginar que somente na infância e com a família de origem se possa alcançar este estado de necessidades satisfeitas. A vida é uma construção permanente e como tal nos dá algumas oportunidades casuais. Não acreditamos ser adequado deixar ao acaso o surgimento de tão importante ajuda. Pensamos que elas devam ser criadas pró ativamente, com o uso adequado do conhecimento, primordialmente cuidando e aprofundando o saber de forma sistemática e continuada. Isso significa dizer, promover uma revolução na atenção e no interesse de cada pessoa envolvida na importante tarefa de educar.

Cabe lembrar que todos somos educadores, formais ou informais, cada um é exemplo para os que estão próximos sendo que a educação que se tenta transmitir nada consegue, somente a educação construída tem o efeito desejado e este modelo de educação dependerá da coincidência de dois fatores; do que se diz e do que se faz, assim palavra e ato quando coincidentes, formarão um par que confirma e valida. Este acaba sendo o ato educativo mais revolucionário. Some-se à construção, o encantamento, a motivação, o respeito, a delicadeza, a seriedade e a equidade com que se realizem os Encontros Humanos, onde seja e com quem seja. Ninguém poderá dar o que não tem.


Para a construção de cidadãos sensíveis

Quem seriam as pessoas promotoras de sociedades equitativas, onde o bastão seja a democracia? Que características devem ter estes sujeitos que se atrevam a pôr-se de frente ante nossos sistemas sociais e questionar abertamente, com ferramentas e determinação, as iniquidades e as desigualdades sociais que derivem em desigualdades em todos os níveis?

No momento atual, nosso sistema promove sua formação? É acaso que nos estaremos referindo a pessoas com uma sensibilidade social, com uma capacidade crítica e propositiva, com processos reflexivos profundos e com instrumentos de análises que permitam os questionamentos ao tempo que elaborem propostas com suas estratégias. Será acaso que se deva começar a formar pessoas com uma consciência suprapartidária, e o que isto implica na análise social; considerando que leva a desestruturação de um conhecimento linear onde todo o estabelecido, o conhecido se relativiza e, tendo em conta que ver desde os olhos de uma prioridade em direção ao ser humano é uma maneira distinta de ver a vida que oferece de maneira generosa ferramentas que convidam à sensibilidade?

Que necessitamos fazer para promover a construção de cidadãos éticos e sensíveis que promovam como principio relações equitativas no exercício pleno da democracia? Agregando a isto que o que se propõe são pessoas formadas para oferecer cuidados aos seres humanos?

É pensar em cidadãos e cidadãs que rompam com esse estado de coisas, pondo como centro de atenção as necessidades das instituições, dos modelos econômicos, dos programas e que seguem colocando como eixo de seu atuar e pensar as pessoas mesmas e suas singularidades. É um permanente promover  de relações eticamente desenvolvidas e promovidas para uma consciência humanista. É um permanente romper com o que ata as estruturas sociais em um acrítico reproduzir e dar pé à liberdade propondo e promovendo ao mesmo tempo a inclusão do Outro, uma evolução de vá do um para o nós. É gestar de maneira permanente a consciência crítica; é ser totalmente honestos ou honestas com as propostas políticas superando em todo momento os interesses alheios aos seres humanos.

Pensar com uma proposta humanista é revisar de maneira permanente os conceitos e valores: seres humanos como grandes potencias criadoras de humanidades. É um constante reforçar a ética na prática fazendo-se responsável de si mesmo e pelo meio circundante. É não só pensar na ética, é pensar no valor e a liberdade humana e a inteireza para defender a democracia, para demandar a equidade e lutar contra as desigualdades estruturais em que vivemos.

Necessitamos começar a pensar seriamente que nossa história deu passos gigantescos nas mudanças que observamos no cotidiano, porém ainda nos falta muito no caminho. E creio, firmemente, que será através da promoção das consciências éticas, com apoio do que realizamos desde a academia, desde a política, desde a economia e desde a história em conjunto que poderemos seguir crescendo como pessoas, homens e mulheres em sociedades  as quais faz falta transformar.

É pensar em uma sociedade melhor em todo momento.  As implicações disto  são enormes  o que não significa que não seja possível. Para isto hoje é mais prioritário que nunca formar pessoas sensíveis, éticas, humanas desde os processos de socialização e desde todas as instituições que participem delas. É ter a audácia para pensar projetos de transformação.

Estas revisões sempre devem ser desde a liberdade de pensamento com uma revisão profunda das nossas práticas cotidianas na construção de cidadanias mais humanas; necessariamente devemos refletir com que visão elaboramos nossos discursos e se estes realmente nos permitem ter ingerência, impacto e, pensando em presentes e futuros, uma mudança significativa de atitude em torno a nossa própria condição e situação de vida.

Deixo o presente com uma última inquietude.  O afirmado anteriormente é uma análise pessoal; que surge de minha trajetória profissional e minha própria proposta para relações éticas e comprometidas desde o pessoal até o social. Dedico parte de meu compromisso responsabilizando-me de reflexões e cavilações em torno do tema, desde minha promoção nos espaços aonde me encontro e não é gratuito falar dos custos de uma visão dirigida aos seres humanos mais além dos aparelhos sociais. Com que se compromete cada um de nós?

Portanto, a melhor oportunidade de ganho está em cuidar dos cuidadores, isto será primordial para cada projeto e tudo o que será útil para a construção do futuro. Não nos esqueçamos que a principal ameaça não é ao planeta, senão à extinção da espécie, por falta de cuidados especiais com ela. O problema maior daqueles que trabalham com pessoas é cuidá-las em um meio que não está interessado nelas.

 

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* Conferência proferida na Unidad Educativa Tomas Moro em Quito, Equador, março de 2010.

** Dr. Roberto Curi Hallal é médico psicanalista gaúcho, com formação psicanalítica na Argentina, residindo e clinicando no Rio há muitos anos, membro efetivo da Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Autor de inúmeros livros e artigos em que dedica especial atenção aos adolescentes da América Latina. Veja currículo.