Zaira Bittencourt Martins (1911-1985) | Imprimir |

Alguns dados Biográficos


Pioneira da psicanálise infantil no Rio Grande do Sul, nasceu em Bagé (Fronteira Sul do Rio Grande do Sul) a 7 de outubro do 1911, filha  de  Pedro de  Bittencourt , também bageense, e de Anna Thereza Mattos de Bittencourt, nascida em Taquarembó (Uruguai). Seu pai era proprietário do uma pequena fazenda no município, onde Zaira (segunda entre quatro irmãos) passou seus primeiros anos. Da infância, recordaria sempre os brinquedos, comuns no meio rural da época: rústicas bonecas de pano, pedaços de ossos de gado que serviam para simbolizar animais, pessoas, casas etc..

Apesar da família não possuir muitos recursos, seu pai, estancieiro do pouco estudo, mas considerável inteligência, percebendo seu espírito curioso, arguto e algo rebelde, decidiu, enviá-la (com cerca de onze anos) para estudar na capital do estado. Dirigido por uma organização metodista norte-americana e administrado por uma notável educadora (Mrs. Brown), o Colégio Americano, fundado há pouco em Porto Alegre, oferecia internato para alunas do interior e representava o que havia de mais avançado na educação feminina de seu tempo, com professores leigos, contrapondo-se aos "colégios de freiras" de tradição mais repressiva. Zaira aproveitou bastante do ensino da escola e permaneceu ligada até o fim de sua vida à sua Associação de Ex-Alunas, bem como às colegas de sua mocidade.

Concluídos os cursos e já como professora, Zaira retornou a Bagé. Lá, porém, pouco chegou a exercer a profissão, embora tenha ensinado as primeiras letras a alguns conterrâneos. Em Porto Alegre havia conhecido seu futuro marido, o estudante de medicina Mário Alvarez Martins. O namoro prosseguiu por correspondência e, em 1936, casaram-se, indo morar num lugarejo do norte do estado (Boa Esperança, Marcelino Ramos), onde Mário trabalhava como médico geral. Lá tiveram seu primeiro filho e, dois anos depois, retornaram a Porto Alegre. Mário preparava-se para o Concurso de Médico Psiquiatra do Estado, no então Hospital São Pedro de Alienados. Zaira acompanhou com desvelo os estudos do marido e com alegria sua aprovação. Em 1940, tiveram sua segunda filha, Júlia Teresa. E, em 1945, atraídos pela psicanálise que chegara à Argentina, o casal partiu com a família para Buenos Aires. Enquanto seu marido iniciava a formação psicanalítica com a análise de Angel Garma, Zaira fez sua análise com Celes Ernesto Cárcamo, outro dos pioneiros fundadores da Associação Psicanalítica Argentina. Sua vocação para a pedagogia e o trabalho com crianças a levaram à psicanálise infantil e ao trabalho supervisionado por Arminda Aberastury e que tinha como referência teórica maior os achados (então recentes) de Melanie Klein.

De regresso a Porto Alegre, Zaira começou lenta e cuidadosamente sua prática clínica pioneira, com cuidados talvez redobrados, pois não tinha o curso de Medicina, numa época em que para ser analista era requerido o diploma médico (situação paradoxal sem dúvida, pois Mrs. Klein, como tantos outros notáveis pioneiros, não o possuía). A partir do início da década de 1960, passou também a coordenar um grupo de estudos de análise infantil com alunos e psicanalistas da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre e, depois, a supervisionar os casos dos colegas, tendo sua condição de Supervisora plenamente reconhecida pelo Instituto da Sociedade. Além de Klein, Winnicott, Tustin e Margaret Mahler também muito a motivaram em seus estudos.

Compunha com o esposo um casal de referência, pela seriedade, generosidade e bom senso, no movimento psicanalítico gaúcho. Amparou, com grande dedicação, o marido nos momentos da doença que o vitimou em 1981. E prosseguiu em seu trabalho clínico com crianças e pré-adolescentes, bem como nas tarefas de ensino e administrativas de sua Sociedade, até 1985, quando, a 7 de agosto, veio a falecer por complicações de uma cirurgia cardíaca realizada quatro meses antes. Deixou dois filhos (um analista e uma bibliotecária), oito netos e um legado de dedicação à psicanálise, aos clientes e ao ensino da análise infantil que soube trazer com discrição e pertinácia ao Rio Grande do Sul.

Roberto Bittencourt Martins (28/01/2003)