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ARCA DE IMPUREZAS  E-mail
Escritores Gaúchos - Vitrine

Beleza e sofisticação em textos e imagens


PREFÁCIO
Peter Pál Pelbart

 

ESSA COLETÂNEA CARREGA
MÚLTIPLAS VOZES, SENSIBILIDADES,
possíveis. Estamos num mundo em que,
cada vez mais, é preciso ficar atento às misturas que
carregamos, aos hibridismos que nos constituem: de
raça, de gênero, de estilo, de domínios, de percepção.
Por exemplo, já não é possível pensar em termos de
filosofia pura (Deleuze mostrou como a filosofia tem
relação necessária e intrínseca com a não-filosofia),
de saúde mental strictu sensu (o que seria dela sem os
aportes da psicoterapia institucional, de Foucault, das
experimentações estéticas com as quais seu campo se
alarga, etc?), de literatura pura (as incursões do rap,
da gíria periférica, do cinema, dos blogs, etc.), o que
não dizer de uma raça pura ou do Ocidente branco.
Assim, há um devir-impuro do mundo que é apenas
o mergulho afirmativo na sua dimensão polifônica,
plural, transcultural, onde as fronteiras consagradas
se borram para deixar aparecer novas articulações e
acontecimentos antes impensáveis.
Este livro é um dos inúmeros exemplos onde se experimenta,
ao mesmo tempo de maneira ousada e delicada,
a arte de ouvir algumas dessas vozes, por gaguejantes
que sejam, algumas dessas imagens e obras e práticas,
bem como as brechas, os hiatos, as rupturas de sentido
que as atravessam e constituem.
Nessa coletânea, mais do que das artes como conjunto
de práticas instituídas e glamourizadas, trata-se da
arte da experimentação. A partir dela podem aparecer
novas linhas de vida que por vezes se avizinham de
linhas de morte, mas que carregam consigo sempre a
questão que Deleuze faz sua, incansavelmente: como
cavalgar tais linhas sem soçobrar? Como ser arrastado
por elas, porém torná-las viáveis, vivíveis? Não será
preciso dobrá-las, ao mesmo tempo que por elas nos
deixamos levar? Não será também esse um sentido
possível para o que aqui leva o nome de território das
artes? Mais do que um domínio delimitado e museologizado
das ditas "artes", é um plano para a "arte da
experimentação", ou seja, a partir de um terrritório,
seguir as pontas de desterritorialização que o atravessam.
Só assim se abre o acesso às linhas de vida que
pipocam por toda parte, apesar das megamáquinas
mortíferas, de captura e aplastamento. Longe da depauperação
da experiência pós-moderna, a arte da
experimentação é uma contra-conduta, um contrapoder,
ali onde, como dizia Deleuze, a resistência e a
criação tornam-se uma única e mesma coisa.