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obra completa Sobre Cyro Martins Estante do autor



CYRO MARTINS REVISITADO - A Presença Feminina nos Contos de Cyro Martins  E-mail
CELPCYRO - Eventos realizados

 


Graça e Cícero                    

                                                                                          



                                                                                               Maria da Graça Rodrigues*

 

                               Com entusiasmo e orgulho  aceitei o convite do meu querido amigo e editor Professor Carlos Jorge Appel para falar sobre a presença da mulher nos contos de Cyro Martins.

               

                               Busquei na memória os contos que mais me impressionaram na vasta obra desse autor de quem sempre fui fã e tanto me influenciou neste meu ofício de escritora.

                               Logo me dei conta de um detalhe: as mulheres têm aparições mínimas nos contos de Cyro e, quando aparecem, vêm como coadjuvantes. E não poderia ser diferente, a maior parte de suas histórias foram ambientadas no meio rural do Rio Grande em uma época em que o protagonismo era dos homens em sua dura lida no campo.

                               Mas à medida em que relia os contos, fui descobrindo verdadeiros tesouros escondidos e que eu havia deixado passar na primeira leitura, mas desta vez ficaram claros nas entrelinhas do texto.

                               Escolhi “Depois da Revolução” e “A entrevista” como os contos mais significativos para analisar a situação das mulheres neste mundo masculino.    

                               Optei por não dar muitos detalhes sobre eles e muito menos revelar os desfechos surpreendentes; não seria justo para com o leitor. Ative-me à análise da presença da mulher nos contos de Cyro Martins.

  

                             Depois da Revolução

 

                               Este conto é ambientado na região da Campanha do Rio Grande do Sul, logo após o “Tratado de Pedras Altas”.

                               O título sugere a ideia de que uma paz teria surgido, pois informa que “houve” uma revolução!

                               Assisistas e Borgistas não lutariam mais? Pelo contrário, continuaram a se degladiar, o que pode ser constatado já em suas primeiras linhas:

 Tudo ainda estava meio remexido, meio em falso, como raizame de ervas em tremedal. Nada bem no lugar, nem fora nem dentro das pessoas.

                               A despeito do Tratado, os ânimos continuaram exaltados como aparece logo adiante:

 Na campanha, que perigo dois adversários se encontrarem na estrada! De longe se alertavam, cutucando as esporas na barriga do pingo e levando a mão por baixo do pala para desabotoar o coldre..


                               Percebe o leitor que trata-se de um mundo de homens. E homens valentes.

                               Segue a narrativa detalhando todo o processo do Tratado e dando o tom de agitação que tomou conta daquele povo para as “qualificações eleitorais”. Dali em diante os rio-grandenses não precisariam mais apelar às armas, as diferenças se tirariam na boca das urnas.

                               Os personagens vão aparecendo com seus títulos, nomes e sobrenomes. Um detalhe a ressaltar, são todos nomes masculinos e notas sobre mulheres acontecem em breves linhas:

  Ao saírem de casa, os casados, as mulheres ficaram aflitas. Para elas, aquilo era o começo da  revolução. Esperavam o pior.

                               Portas, janelas, calçadas apinharam-se de mulherio e criançada.

                               Assisistas que estavam trabalhando largavam suas ocupações e foram incorporar-se aos companheiros, para o que desse e viesse.

                               Outras, por cuidados ao marido ou por amor ao lenço vermelho, mandavam:

- Vai meu filho, acompanha teu pai! E instigavam os seus homens, xingavam os chimangos.  

                              

Ao leitor atento restará claro que a lei, nessa época, facultava somente aos homens o direito de colocar seu voto nas urnas. Apenas eles tinham o direito de decidir quem merecia governar o Rio Grande: Assis Brasil ou Borges de Medeiros.

 

                              

                              A Entrevista

 

                               A narrativa começa dando a extensão do problema que aflige o protagonista dr. Augusto do Amaral, homem que segundo sua própria definição é “um cidadão eminente, um professor de Direito, um advogado provecto!”. Ele concederá uma entrevista dentro de poucas horas e por isso percorre o caminho do escritório até sua casa repassando mentalmente as respostas que deverá dar às perguntas do repórter.

                               Diante do portão de sua casa é flagrado falando sozinho. E justo por sua esposa, dona Aurora, que não lhe poupa uma zombaria:

Sim, homem, palavra, tu vinhas falando sozinho, ou então com algum companheiro invisível. Mas, que me conste, até hoje ao meio-dia não eras espírita.

                              

         Profundamente vexado, ele pede que lhe levem um copo de leite no gabinete. Não iria jantar.

                            A segunda figura feminina a aparecer em cena é Leonor que nota algo diferente no comportamento e no tom da fala do patrão:

A rapariga afastou-se receosa, estranhando aquela transformação repentina num homem em geral sempre tão calmo e delicado.

 

Leonor não hesita em avisar a patroa que algo de incomum estava ocorrendo com o dr. Amaral:

 E como resultado de seu alarme, três minutos depois Aurora torcia o trinco do gabinete, sem bater antes, um tanto afobadamente.

                              

Segue o narrador mostrando a contrariedade do protagonista em contar o porquê de seu nervosismo, mas eis que na cena abaixo, ele finalmente se rende:

                               Ele não ergueu os olhos, mas teve a impressão de que a mulher botara as mãos nas cadeiras, afastara um pouco as pernas e pusera um pé atrás.

  

 Aqui não resta outra alternativa ao provecto advogado, obedecer a mulher confessando que está ansioso pela chegada do repórter que virá entrevistá-lo.

 

                                                                               *****

                              

                               Fazendo um paralelo entre “A entrevista” e “Depois da Revolução”, podemos concluir com segurança que, nesta sociedade retratada pelo autor, às mulheres era reservado apenas o mundo doméstico. E aos homens, as demais questões.

 

                               Tanto nestes dois contos como nos demais que fazem parte do livro “A entrevista”, embora não analisados aqui, posso dizer que notei sempre um tom de delicadeza e respeito no tratamento do homem em relação a mulher.

                               Era uma sociedade patriarcal, sem dúvida que era. Mas jamais aparece um tom de arrogância ou gestos de covardia em relação a elas, ao contrário, o homem a via digna de proteção e cuidados.

                               Resta então uma pergunta: de onde teria se originado esta fama de o homem gaúcho ser mais machista que os demais?

                               Seria daquele comportamento visto lá no conto “Depois da Revolução”, onde ele precisava falar grosso e pisar firme, marcar posição e merecer o respeito do adversário que não vacilaria em sacar de uma arma para defender seu ideário político?

                               Talvez, mas temos também o comportamento de quase humildade do dr. Amaral, protagonista de “A entrevista” diante das duas mulheres da casa.

 

                               Bem, deixo aqui o convite a esta reflexão e encerro trazendo um trecho de outro livro de Cyro Martins, publicado pela editora Movimento,A mulher na sociedade atual :

 O Brasil pode se orgulhar de ter sido um dos pioneiros na América Latina do voto feminino, instituindo-o em 1934. E é justiça ressaltar, nesta oportunidade, que o líder dessa campanha pró voto feminino foi um gaúcho, o então deputado Batista Luzardo.

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* Maria da Graça Rodrigues é Escritora