FRONTEIRIÇAS - Histórias do pampa e arredores - Casas antigas de Sant'Ana do Livramento |
Fronteiras Culturais |
Carlos Alberto Potoko * Na zona da campanha gaúcha, grande parte da riqueza obtida com as exportações foi investida na construção dos espaços públicos e privados urbanos, que utilizou a mão-de-obra escravizada, livre e liberta, nacional e estrangeira, especializada ou não. Na arquitetura edificada, pública e privada, as fachadas foram inspiradas nos modelos historicistas do ecletismo europeu e refletiram o interesse das administrações e das elites em se vincular ao desenvolvimento e progresso dos grandes centros. E assim a arquitetura da nossa cidade se assentou eclética com barroco colonial. Com formas e conceitos de vários estilos, principalmente do neoclássico, usando-os de forma mais livre se construiu aqui na época, mais ou menos a partir da elevação de Livramento a categoria de cidade em 1876 até os anos 1950. Nos anos 1920, os prédios que compõem o conjunto arquitetônico ao longo da Rua Dos Andradas, onde funcionaram bares, restaurantes e comércio, ainda carregam rastros nas fachadas de elementos ornamentais, como as compoteiras (parecidas com vasos), capitéis (arremates das colunas), medalhões e faixas e até pequenas estátuas nos peitoris das fachadas. Essa arquitetura chegou a Livramento pelo Uruguai através dos imigrantes espanhóis, franceses, italianos e ingleses, onde na época, nossas cidades geminianas foram urbanizadas por agrimensores uruguaios, o que marcou o traçado antigo até hoje reticulado na conturbação, fenômeno este que ocorre quando duas ou mais cidades se desenvolvem uma ao lado da outra. Nossas cidades tiveram sua urbanização, por volta de 1850 a 1900 seguindo a lei das índias de 1573, as ordenanças espanholas e o código de postura da nossa cidade da época. A partir dos anos 1940, predominou a arquitetura neoclássico, a qual chegou no Brasil no fim do século 19. Caracteriza-se pelas fachadas ricas em detalhes, com proporção entre os elementos, os capitéis no estilo jônico e dórico, as compoteiras e os balaústres (pequenas colunas em formato que lembram garrafas). A característica principal eram os frontões que reforçavam de arco imaginário a simetria presente das fachadas. Os capitéis presentes nas pilastras ou colunas que intercalavam os vãos inspirados nas ordens da antiguidade clássica greco-romana. Estas pilastras provocavam ritmo e destacavam a divisão tripartida dos módulos que compunham os edifícios. As aberturas, tanto janelas, portas, sacadas eram arrematadas com bandeiras o que possibilitavam uma maior ventilação para insolarar os ambientes internos e possuíam vergara reta ou em arco pleno. Sobre elas, nos vãos muitas vezes eram emolduradas por frontões gregos ou recortados. Festões, rocalhas, medalhões ou cartelas, algumas vidraças eram enfeitadas com frisos, monogramas ou elementos florais. Os balcões e guarda-corpos eram trabalhados em ferro ou cimento armado com pellets de mármore. Alguns prédios decoravam espaços vazios para jardins, escadarias, pórticos ou varanda. Muitos projetos e faixas decorativas das casas de Livramento e Rivera eram assinadas pelo arquiteto Dalmiro da Cruz de Montevideo.
O Bairro do Armour, assim batizado carinhosamente pelos santanenses, e não é para menos, devido a sua importante história na construção desta cidade, possui um verdadeiro museu a céu aberto da arquitetura georgiana, construção típica da Inglaterra e dos EUA, o nome foi dado na maioria dos países anglófonos à arquitetura produzida ao longo dos reinados de Jorge I, Jorge II, e Jorge III e Jorge IV, compreendendo o período de 1720 a 1840, aproximadamente. Apesar de receber um nome genérico, não é um estilo fortemente unificado, pois transita do final do Barroco até o ecletismo romântico de meados do século XIX, passando pela voga palladiana, do arq. Italiano Palladio e que é a mesma georgiana. Com Pallodi o neoclassicismo, recupera traços do Rococó e assimila influências do Neogótico. As estruturas geralmente empregam uma forma básica clássica mas incorporam uma série de elementos e ornamentos daquelas outras origens. Esse ecletismo agradou especialmente a classe média, mas também serviu à nobreza. As casas eram geralmente de dois pavimentos principais, amplas e confortáveis, com uma distribuição simétrica e regular de aberturas, e uma ornamentação relativamente discreta, mas podendo ter uma entrada bastante imponente com pórticos, escadarias e colunatas. Foi um estilo largamente empregado nas Ilhas Britânicas, nos Estados Unidos, Canadá e em outras colônias inglesas. O estilo declinou no fim do século XIX, mas no século XX conheceu uma voga revitalizada. Segundo a historiadora Vera Albornoz, os arquitetos Adams & Shaw, ingleses residentes no Uruguai, quiseram dar essa importância para a Cia Armour, projetando prédios com aparência de grandeza e elegância. Esta arquitetura eclética ou historicista desembocou depois na arte moderna. As plantas da gerência, do clube, da casa dos solteiros e casas eram escritas em espanhol para os contratistas uruguaios. As casas que a companhia Armour construiu para seus funcionários tinham os banheiros nas últimas peças, eram muito boas em relação as outras na cidade para a época. As construções eram as mesmas para todas, menos a quantidade de cômodos. Algumas tinham lareiras, outras salamandras. As casas de latas, dos operários, hierarquia presente em todos os níveis da empresa, mediam entre 30 e 50 metros quadrados, enquanto as casas dos funcionários mais importantes, como os capotes brancos, mediam entre 150 e 200 metros quadrados.
Dentro desse ecletismo, construíam-se prédios e casas neoclássicas numa transição da arquitetura colonial, como a casa do David Canabarro na 24 de maio para a arq. moderna. E, num olhar mais ancestral, nossos prédios eram sobre o alinhamento das ruas, nos limites dos lotes. As características deste estilo são as cornijas e platibandas sobre as quais compoteiras ou figuras decorativas, as quais, quase todas vinham de Montevideo, além de estruturas de vidro, telhados e ferragens das aberturas. E assim sendo, grande parte da riqueza obtida com as exportações foi investida na construção dos espaços públicos e privados urbanos, que utilizou a mão-de-obra escravizada, livre e liberta, nacional e estrangeira, especializada ou não. --------------------- * Poeta, Jornalista e Pesquisador |